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História da Minha Terra

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ERÇA-FEIRA, 1 DE JUNHO DE 2010

"Breve história mítica antiga do Soyo e do Kongo !..."

O Mito Solongo de Diogo Cão e o seu contexto

Breve história antiga do Soyo e do Kongo

Debatem-se ainda hoje várias opiniões (às vezes opções...) sobre as origens remotas e a "fundação" do Reino do Kongo, sem se fazer sequer muita atenção à extensão ou validade dos conceitos "fundação" e "Reino" e introduzindo no respectivo estudo terminologias discutíveis que, infelizmente, vamos uma vez mais ser obrigados a utilizar por falta de melhor solução.


Entretanto, e independentemente dessa indecisão terminológica, não parece ainda possível descrever o processo de formação destes Estados da África Central com um mínimo de precisão.


Correm vários mitos que a ele se referem, e sobre esses mitos chocam-se várias leituras. O panorama dos resultados é vasto, é rico, e é vago.


A documentação que nos chega não se refere a estas épocas senão como reflexo duma tradição oral muito posterior e tem-se visto mais do que uma vez, os velhos e outros informantes de trabalhos de campo recitarem o que vem escrito nos livros que estiveram ao seu alcance.


Por vezes os relatores dessa documentação não tinham discernimento suficiente para entrar em subtilezas semânticas dos conceitos que usavam e que eram os que definiam a sua própria sociedade, como os conceitos de "pai", "tio", "sobrinho", "filho", etc.


O termo "Mani" muito usado nessa documentação para distinguir os mais altos aristocratas, tais como o "Mani Sonho", o "Mani Kongo", o "Mani Bata", etc. que se saiba, nunca foi confirmado no terreno por pesquisadores mais modernos e logo mais completos

.
Tudo parece indicar que se trate de uma corruptela de "mwana" significando, "filho" no sentido hierárquico e não genealógico.


Para António Gonçalves, o acto de conceder uma terra ou um território a um visitante ou a qualquer pessoa, é um acto de paternidade.


O "Mani Soyo" da época de Diogo Cão falava do rei do Kongo como "seu sobrinho", não porque fosse necessariamente seu "tio" mas sim porque eram ambos do mesmo clã e ele, o do Soyo, era o mais-velho do clã, o Nkunkulu, título que sempre preferiram e respeitaram os chefes solongo originários de Mbanza Kongo.


Mas apesar destas dificuldades vale a pena passar uma rápida vista de olhos pela mitologia destes povos quanto mais não seja para ganhar outra e tremenda dúvida:


Quem eram afinal os basolongo?


Os basolongo são eminentemente patrilineares.


Os muxikongo (de Mbanza Kongo) e todos os outros bakongo que se conhecem, identificam-se pela filiação matrilinear. Donde vem essa diferença tão significativa? Corresponde às diferenças entre dois povos de origens diversas que se encontraram e aliaram de várias maneiras, ou à diferenciação operada durante um processo comum?


Os basolongo falam um dialecto, o kisolongo, bem distinto do kikongo clássico de Mbanza Kongo. Porquê?


Isso é mais uma vez o resultado do encontro de dois povos diferentes que se aproximaram ou de um só povo que se diferencia em partes?

O Mito de Lukeni


Há portanto mais do que um mito referindo-se ao processo de formação do Estado do Kongo, dito geralmente Reino do Kongo.


Todos eles têm a mesma linha narrativa, isto é, falam da primeira migração de um grupo de linhagens associadas, simbolizadas pelo nome de um herói mítico, um "herói fundador" como Ntinu Wene, como Nimi a Lukeni, falam também de um contexto centro-africano onde se insere o itinerário percorrido, este último fixando um território que virá a consagrar fronteiras míticas do referido Estado.


Para o efeito que se pretende neste breve estudo, todos esses complicados enredos não são muito relevantes.


Mas não poderíamos compreender o "mito de Diogo Cão", o navegador português que atingiu as praias do Soyo pela primeira vez, sem compreender também o que eram e como se desenvolviam os basolongo, isto é os habitantes do Soyo, assim como, qual o ponto da situação, na altura, em relação ao Estado do Kongo.


Tomamos aqui uma síntese das versões conhecidas do mito talvez mais representativo referido à formação do Estado do Kongo, o mito de Nimi a Lukeni.


Segundo a documentação dos séculos XV e XVI, e segundo a interpretação mais corrente, a "fundação" do reino do Kongo parte de uma formação Yombe vinda de Vungu, na margem direita do Zaire, provavelmente no Mayombe, que teria emigrado no Século XIV que se encaminhou para a margem esquerda do rio onde acabou por fundar Mbanza Kongo.


Diz-nos esta tradição que vivia no ponto de partida um chefe chamado Nimi a Nzinga. Nzinga é um nome atribuído a um grupo de linhagens aliadas que se pretendiam descendentes do mesmo antepassado.


Um determinado ramo do grupo Nimi a Nzinga, chamado Nimi a Lukeni, é o que está na origem da fundação da capital do Kongo, na margem Sul.


Neste conjunto, Nimi a Nzinga, nome dominante, é o de uma aliança patrilinear. Lukeni é um nome da linha matrilinear. Assim, Nimi a Lukeni é "filho" de Nimi a Nzinga e de uma certa Nzanza que pertence a outro subgrupo chamado Nsaku Lau.


O herói "Lukeni" partiu, pois da aldeia do seu "pai" e, em Mpemba, a região de Mbanza Kongo, derrotou o chefe local Mbunlulu Mwana Mpangala.


A história posterior revela uma aliança importante do poder com uma série de senhores que a documentação mais antiga designa por "Mani Pangala" que representa as linhagens locais com importância determinante nos assuntos religiosos e na gestão da "propriedade linhageira".


Uma outra lenda sobre a "fundação" do reino do Kongo que não vamos tratar nestas páginas, relatada por A.Cordeiro em 1624, diz que Mbanza Kongo foi fundada por Ntinu Wene (ou Motino- Bene), "um filho mais novo do Rei de Vungu" o qual teria conquistado e unificado as numerosas chefaturas em que estava dividida a formação local Kongo.


A narração deste mito está ornada com os parâmetros habituais da linguagem mítica. Nela se destaca um personagem que vem de longe com uma intenção reformadora (ou conquistadora) e com uma comitiva ou "a sua gente", um itinerário muito bem definido, o encontro com mandatários locais, e a instituição de uma aliança que assume formas diversas, desde o casamento com uma mulher aborígene a uma guerra seguida de vitória total mas sempre generosa.


Seja como for todas as lendas estão de acordo com um ponto de origem em Vungu, donde rompeu uma migração cujo nome designa não a pessoa nem sequer o conteúdo étnico do grupo mas apenas a linhagem dominante, que chegou a Mpemba, onde fundou a cidade de Mbanza Kongo.


Importa referir que o missionário A. Cordeiro, Duarte Lopes/Pigafetta e todos os cronistas que se referiram à expedição de Diogo Cão, fixaram para a posteridade o nome de Nzinga a Nkuwo, como sendo o rei do Kongo que os portugueses encontraram e que veio a chamar-se D. João I.


Nzinga e Nkuwo são, uma vez mais, nomes clâmicos que se repercutem por toda a história do Kongo e, principalmente o primeiro, é uma chave para a história do Soyo e dos seus conflitos internos.


Diz também a tradição Kongo que este rei teve um filho (entre outros) chamado Mvemba a Nzinga (D. Afonso I) e Cordeiro acrescenta que a (linhagem central) Mvemba Nzinga deu "os grandes reis até Henrique I" e ocupou os territórios de Mpemba e Soyo, o que significaria que se estendeu nesse território pelo menos desde Lukeni até ao "príncipe Nezinga" que incluiu o Soyo no território do reino.


Com efeito, a partir de Mbanza Kongo teve lugar um processo de expansão por todo o território que acabou também por chegar ao Soyo e assim, é o sangue Mvemba a Nzinga que entra no Soyo através de um outro personagem ou herói que pertence já à mitologia local e que se chama Nzinga a Mvemba (designado na tradição soyo como "o príncipe Nezinga").onde encontra os basolongo e organiza um estado sujeito à coroa central.


Nas linhas que se seguem vamos ter ocasião de ver como as linhagens reais em Mbanza Kongo tendo vindo de fora, ficam ligadas ao poder local Mpemba Nkazi assim como no Soyo a linhagem estrangeira (Mvemba Nzinga, vinda de Mbanza Kongo) sediada no Pinda, se liga ao chefes da terra (do Pângala).

 

Os Mitos de Fundação no Soyo


Todos os velhos do Soyo, tanto os das linhagens "da terra" como os das linhagens "de fora" (de Mbanza Kongo) estão de acordo que Nezinga, o "príncipe Nezinga", é o verdadeiro fundador do Estado do Soyo embora absorvido pela soberania Kongo.


Mas, em 1980, os velhos ligados ao poder de então que estava nas mãos das linhagens "da terra" - em que um regente (na falta de um rei coroado) utilizava o título de Soyo dya Nsi- afirmavam que a gente que Nezinga encontrou no Soyo, era um povo organizado e evoluído, produto duma migração muito mais antiga dirigida pelo herói Nentombe. A origem de Nentombe não porém muito clara.

A sua função ideológica sim: a de criar uma formação dona da terra antes de Nezinga. Algumas das versões recolhidas dizem: " Nentombe foi colocado por Deus aqui na terra do Soyo...".


Outros porém afirmavam que "Nentombe é originário de Mbanza Kongo.

Os espíritos arrastaram-no para o Soyo... ".


Em todo o caso o herói permanece um personagem misterioso que simboliza uma migração muito remota, cujo itinerário, passando pelo Ambriz no Sul até Noki na margem do Zaire, estabelece um território que se pode considerar mesmo ainda hoje, o território solongo.


Além disso, de certo modo o mito é confirmado pela tradição Nezinga onde se diz que este príncipe encontrou no Soyo uma sociedade rica, evoluída mas fragmentada, vagamente dirigida por um chefe designado Soyo dya Nsi, sediado no Pângala.


De tudo isto ressalta com bastante evidência um conflito de poder -- e de posse de terras -- no Soyo, entre os descendentes de Nentombe e os descendentes de Nezinga, que vem até hoje.

A lenda de Nezinga tem também um itinerário significante, como todas as outras, que sai de Mbanza Kongo, vai ao Nzetu (zona do Ambriz) desce para a foz do Zaire e chega ao Pângala onde está o Soyo dya Nsi , estabelece uma aliança em que fica claro que Nezinga segura o poder mas o Chefe local continua o dono da terra.


Depois prossegue na sua viagem através da qual foi espalhando o sangue Mvemba a Nzinga com casamentos dos quais resultam mais de trinta filhos.


Um dos mitemas principais da tradição Nezinga é o conflito surgido entre os seus próprios filhos e dos filhos com o pai, por ocasião de uma doença deste, por via das misturas de sangue de que eram portadores e dos diferentes compromissos que elas implicavam.


Num outro mitema diz-se que Nezinga, depois de firmado o acordo com Soyo dya Nsi, voltou a Mbanza Kongo exibindo esse excelente trunfo assim como duas cabaças, uma com água do mar (a riqueza) e outra com areia do solo ( a numerosa população local), faz-se perdoar e é acreditado pelo rei como governador das terras donde viera.


Algumas versões recolhidas informam que Nezinga recebe autoridade sobre o Soyo por parte do rei do Kongo seu tio, para resolver "os casos simples" deixando para ele, Ntotila, "os casos complicados".


Este mitema vem a repercutir-se, como veremos, no mito de Diogo Cão.


Finalmente, e para não alongarmos muito este texto fora do assunto principal, resta acrescentar que, depois do conflito de Nezinga com os seus filhos, estes foram deserdados excepto as duas filhas, Ndilu e Mfutila que se haviam mostrado obedientes por amor filial.


O mito prossegue, depois da morte de Nzinga através dos seus sucessores.

O herdeiro do trono solongo foi o filho de Ndilu, a filha mais velha, que se chamou Mvemba a Ndilu.


Mas quando cresceu o filha de Mfutila, a mais nova, a mãe exigiu uma parte da herança segundo as orientações do falecido pai.


Gerou-se um conflito que resultou na partilha do Soyo em dois Estados: o Soyo de Cima (Mfutila Nentandu) e o Soyo de Baixo (Mfutila Neanda) situado na margem do Zaire, aliás o centro do conjunto político. Enfim, este mitema da partilha do Soyo explica o estado actual da sociedade e do poder solongo que de facto apresentam uma divisão em duas partes, hoje bastante diluída.


O panorama político-social do Soyo à chegada da expedição de Diogo Cão, é pois o de um Estado solongo, dividido em dois, o Soyo-de-Cima ao Sul e o Soyo-de-Baixo, ao Norte. o todo é contudo uma dependência do trono Kongo em Mbanza Kongo, onde reina provavelmente a linhagem Mvemba Nzinga.


A comunidade solongo, além de dividida por dois Estados entre os quais o Soyo-de-Baixo, sediado no Pinda (mais exactamente no Kitxitxi, segundo a tradição Nezinga) detém o poder central de etnia, contem igualmente um certa diferenciação classista onde se destaca uma camada social aristocrática, ela própria dividida também em duas camadas aliadas mas contraditórias vindas de fontes diferentes:

a dos chefes das linhagens locais e a dos chefes das linhagens Mvemba Nzinga originárias de Mbanza Kongo.

Resta acrescentar que, tendo sido possível em 1990, recolher várias listas genealógicas do trono solongo "desde a sua fundação" mais ou menos desiguais mas semelhantes pareceu-nos interessante apresentar aqui aquela que se revela mais sólida, embora apenas até à época do navegador português:


Mvemba a Ndilu - neto de Nezinga e primeiro soberano, portanto depois da fundação do Estado através do herói Nezinga.

Nkinvi kya Mvemba

Nkulumba dya Ngolowolo - que aparece em outras listas com o nome de NKUKULUMBA NEKOKANLOKO

Nekyanvu Kya IkwaNdom Malele kya Nsi - o soberano do Soyo à chegada de Diogo Cão.

Pretenderam sempre os nossos informantes que todos estes nomes pertencem à camada Mvemba Nzinga.

Contudo o nome Kya Nsi, de Dom Malele, que significa "da terra", parece desmenti-lo. Somente estudos mais detalhados poderão esclarecer este assunto.

O Cisma Antonino do Século XVIII e suas consequências


A cosmogonia tradicional solongo não difere muito da dos outros povos desta parte de África.


Ela é simplesmente, como tudo o que pertenceu ao antigo reino do Kongo, muito mais agitada.


De uma maneira geral e breve, é próprio dessa cosmogonia o culta da água (implicando o da chuva com o seu sacerdócio específico e seu sistema de pensamento), da árvore (principalmente o da mulembeira ou mulemba ("ensendeira" na documentação que a ela se refere) e o da pedra.


Os espíritos são os Nkisi Nsi e habitam preferencialmente em certas lagoas como a nascente que abastecia a Missão Católica do Pinda e que se chamava Malu ma Madiya ("Água de Maria"), mas eles também costumam roçar-se pela folhagem da grande mulembeira da casa do chefe, o que é visível quando a copa da árvore se agita chamando a atenção dos velhos que conversam à sua sombra.


Os gémeos, essas criaturas controversas enviadas ao casal para o pôr à prova, habitam igualmente as camadas superficiais da água depositada. Mas sob essa camada há outra, a dos albinos, os adversários dos gémeos.


A pedra e a árvore são também habitáculos de cargas mágicas e geradoras de mitologia.


Da pedra surgiram um dia os homens brancos, ao passo que os negros tinham nascido das árvores.


O culto dos antepassados (de certo modo, o dos gémeos também) é talvez o mais formal da religião tradicional do Soyo.


Ele é praticado em todas as aldeias num altar constituído por um pequeno telheiro com não mais de um metro de altura, que esconde uns orifícios no solo através dos quais se comunica com os antepassados.


Chama-se Mvela e há entre estes altares uma hierarquia estabelecida que apresenta no Pângala, o mais importante dentre eles: o Mvela kya Soyo, que cobre o povo de todo o território, tanto para o Soyo-de-Cima como para o seu vizinho do Norte, onde se encontra.


Mas é, provavelmente o culto da chuva o mais determinante, porque se relaciona com a sobrevivência material das pessoas, com a fertilidade e com a mulher. O seu sacerdote é designado Kintumba e a sua importância é tão grande que a coroação de um novo soberano no Soyo tem de ser presidida e ministrada por ele.


É também o Kintumba que faz vir a chuva através de um culto hoje sincrético, onde se reza um padre-nosso em kisolongo, apenas parecido com o original cristão em português.


Sobre este contexto vem justapor-se a ideologia cristã desde o século XVI. Como afirma Thorton.
Porém, essa cristianidade "... era aceite, não como uma nova religião mas como um culto sincrético, integralmente conservado com outros cultos do Kongo e derivando do Kongo e não da cosmologia cristã ou europeia".


Hoje a atitude religiosa dos basolongo é, de certo, predominantemente cristã. Mas atrás dessa atitude que devia implicar um sistema ideológico igualmente cristão desenham-se todas as correntes místicas que a atravessaram e reconfiguraram num composto bem difícil de interpretar.


Ressalta porém de tudo isso que da cosmogonia tradicional à ideologia oficial de hoje mais ou menos cristã, intromete-se com uma força afinal determinante, o culto antonino que nasce no fim do Século XVII na região de Mbridje (alto Ambriz) e se difunde a partir do Soyo absorvendo de forma avassaladora a consciência dos basolongo e não só, espalhando-se por todo o território Kongo, e novamente não só.


As raízes desse culto podem ser reportadas a uma velha do Ambriz, Apolónia Mfumaria, conhecida igualmente por Mfuta Mfumaria (Mfumadiya) que afirmava, entre outras, coisas ter encontrado no rio a cabeça de Cristo (uma pedra arredondada e vulgar) com sinais do seu descontentamento em relação aos pecados dos homens.


Daí surgiram os primeiros mandamentos do antonismo, condenando os antigos feitiços, o trabalho aos domingos, e sobretudo criticando o Senhor D. Pedro IV de Água Rosada, candidato ao trono central do Kongo, que se refugiava no Kimpango, temendo os seus rivais na posse da coroa até então abandonada.


Para a apóstola do antonismo, D. Pedro devia marchar sobre S. Salvador e proclamar-se rei do Kongo.


Com efeito o retrato político dessa época que resultava da desastrosa batalha de Ambwila contra o Governo colonial de Angola (1666), onde teriam perecido "mais de cem mil homens", era o de um Kongo desmembrado, dividido em ducados, e marquesados mais ou menos independentes a fazerem guerras uns aos outros e a recolherem escravos, com dois candidatos ao trono, de clãs rivais, respectivamente D. Pedro de Água Rosada, um Kimpangu, da estirpe dya Nlaza, e D. João II Nsimba a Ntando, um Kimpanzu, da estirpe dya Nlemba, refugiado em Bula ( mais ou menos Kinshasa actual) a evitarem enfrentar-se pela posse da coroa e pela reunificação do reino.


Depois da velha Apolónia surgiram outros apóstolos igualmente reformadores que aprofundavam mais um pouco o novo credo, até que do Tubi, uma aldeia solongo onde era a chefe (mfumu), surgia a figura impressionante de Beatriz Kimpa Mvita, a Santa Beatriz, ou Beatriz do Kongo como ficou conhecida pelos historiadores.


Beatriz, uma jovem muito bela segundo um relatório do capuchinho Bernardo da Gallo ao papa Clemente XI datado de 1717, relança o movimento que pela primeira vez se constitui em "cisma antonino".


Ela afirma ter estado no céu com S. António o qual lhe propôs um programa reformador que limpava o culto cristão de suas impurezas feiticistas e outras, como o crucifixo que não era mais que um amuleto, definia uma moralidade de tipo novo, e fixava como objectivo central a reunificação do Reino do Kongo, único meio de racionalizar o tráfico de escravos que andava ao sabor dos apetites dos grandes senhores, de criar uma sociedade crente, justa e sem preconceitos, de fugir também à influência terrível dos capuchinhos italianos que missionavam a coberto do Governo de Angola, do Papa e daqueles senhores da guerra.


Este movimento conheceu uma amplitude inesperada, e face à atitude irresoluta de D. Pedro de Água Rosada, dividiu mais o poder ainda em suspenso com um novo candidato ao trono, o General "Chibenga", ou seja, D. Pedro Constantino de Almada, então Capitão General de D. Pedro de Água Rosada.


A força do movimento era muito grande na primeira década do Século XVIII.


Os escravos bakongo abandonavam seus amos e apresentavam-se ao antonismo que se estruturava à maneira duma seita activa e contestatária.


Uma oração nova, a Salve Antoniana, substituía a Salve Reginae da liturgia católica e constituía o verdadeiro manifesto do antonismo.


Para os antonistas, Jesus Cristo era natural de S. Salvador (Bethelem), e mesmo a Virgem Maria e S. José eram bakongo de nascimento, naturais do Ducado do Nsundi (Nazaré).


Mas o fim do decénio pôs um termo a este sonho dourado e piedoso.


Beatriz, sob impulsão do P. Bernardo da Gallo (que evoca o Santo Ofício para se justificar) e a conivência da autoridade de D. Pedro (o Água Rosada), foi queimada na fogueira com o seu principal oficial, o "Anjo da Guarda" S. João, em 1708.


No ano seguinte o Chibenga, com o seu enorme exército meio antonino meio católico, foi derrotado na tremenda batalha do Monte Evululu e D. Pedro ocupou finalmente S. Salvador fazendo-se coroar rei do Kongo, como D. Pedro IV.


O antonismo refugiou-se no seu estrato cosmológico misturado com os "espíritos da terra", mas o ponto principal do seu programa, a restauração do reino do Kongo, fora cumprido.


Aparentemente a seita dissolveu-se após os desaires sofridos. Mas o culto e a fé nos dois principais protagonistas da ideologia antonina mantiveram-se e existem ainda hoje. St. António continua a ser em todo o Kongo um pólo essencial da mitologia e a santa, agora chamada Stª. Maria é, no Soyo, objecto de um culto discreto de fertilidade e de propiciação da chuva.


Um novo mito surge no Soyo em data incerta (após a queda do antonismo), que converte "D. Beatriz Kimpa Vita ou D. Beatriz do Kongo, mulher ligada à política e à história do reino, na Stª. Maria do Soyo, "espírito da terra" que habita nas águas da sua própria nascente e que se ocupa dos problemas dos basolongo"

O Mito de Diogo Cão


Diogo Cão, navegador português e figura histórica do Século XV, entra finalmente na história tradicional do Soyo como personagem mítica, embora aí apareça de uma maneira um tanto vaga, e contudo com a missão muito precisa de reiterar a eclosão de uma nova cultura entre os basolongo, de uma nova religião e de uma nova civilização técnica que faz surgir bens materiais de tipo novo.


Ora a maneira como o seu mito se desenvolve é a maneira clássica dos "heróis reformadores" da mitologia savânica desta parte de África.


A sua estrutura narrativa é semelhante à de toda essa mitologia.


O protagonista surge de algures, de longe, com uma comitiva; tem encontros com os mandatários dos soberanos locais mas não chega a encontrar o "rei" (ou "rainha") do Soyo.


A sua entrada em cena tem aspectos espectaculares que valorizam o personagem e que o definem como "estrangeiro".


Depois percorre um itinerário bem definido onde a via fluvial -- a principal via comercial: o rio Zaire -- se desenha como dominante, e acaba em Mbanza Kongo, junto do Ntotila.

Por uma das versões recolhidas desta lenda, sabe-se que Diogo Cão desembarcou numa praia do Soyo onde encontrou uma "pedra alta", sobre a qual havia dois santos: St. António e St. Maria.


O visitante queria levá-los para Portugal, mas St. Maria negou-se e veio a ser deixada na praia, criando uma derivação da lenda destinada a dar conteúdo ao culto de St. Maria que, como vimos atrás, ainda hoje se pratica no Soyo

.
Uma segunda versão diz que Diogo Cão chegou num barco à vela (Nkumbi ya Nkutuktu) a uma praia do Soyo em Mbanza Malele.


Aí encontrou um pescador, Ndom Lwolo, um súbdito da rainha Malele kya Nsi, nome que figura entre os primeiros da lista de soberanos do Mfutila Neanda ( o "Soyo de baixo").


Quando o navegador perguntou o nome da terra, o pescador respondeu: "Kinzadiko" ("não sei").


E ao interrogá-lo sobre o nome do grande rio, Ndom Lwolo respondeu: "Nzadi" ("Rio").


O visitante concluiu assim que o rio se chamava "Zaire".


Então Diogo Cão manifestou o desejo de ser apresentado à rainha.


A soberana foi informada deste acontecimento e desta solicitação, mas lembrou-se que o seu antepassado Nezinga recebera ordens do Tio, o Ntotila, que a impediam de, como seu suserano, estabelecer relações com povos estrangeiros.


Por isso a rainha recusou qualquer contacto com os visitantes mas mandou-os conduzir a Mbanza Kongo.


Um guia acompanhou, pois, a expedição portuguesa rio acima, até Noki, onde desembarcaram.
O navio ficou fundeado no sítio chamado Nsuku a Nsambi a Nzombo, onde havia uma grande pedra com uma mulembeira que lhe crescera no topo.


Desse modo evitava-se subir até Matadi, "por causa dos ventos violentos da região, originados pelas montanhas".


Prosseguiram a viagem por terra ao encontro do Nekongoe da sua corte, que lhe ofereceram um grande banquete.


Note-se que o Nekongo, avisado por mensageiros, já sabia da chegada dos portugueses e já os esperava.


O visitante deu ao Ntotila como presente um rico pano que se chamou Nkampa.


O mito de Diogo Cão parece, enfim, pôr em relevo algumas particularidades da consciência solongo.


Nele se recorda com especial vigor a dependência do rei do Soyo para com o rei do Kongo, seu soberano.


Este aspecto não tem porém uma intenção didáctica pura, mas ele é, muito mais, o resultado do movimento de aproximação com Mbanza Kongo e portanto com o poder central por tradição, que crescia no Soyo à data da recolha do mito (1990).


Contudo sabe-se pertinentemente pela documentação existente , que os contactos de Diogo Cão com o dito "Mani Soyo", foram numerosos e até frutuosos, pois inclusive o chefe solongo fez-se baptizar.


Além disso a narração pretende mostrar através dum contorno simbólico que o culto actual (e bastante antigo) de St. Maria, surge da igreja católica (vem com Diogo Cão), mas em oposição a ela.


Recordemos que a santa, devendo ter "regressado" com o navegador como sucedeu a St. António, preferiu ficar no Soyo.


Enfim, para o historiador, há neste mito numerosos elementos significativos inspirando um mínimo de segurança que lhes permita serem tratados como factos históricos, quer pelo número muito elevado de informantes que os reconheceram -- o que dá fixidez a uma cultura histórica envolvente -- quer pela sua semelhança com a realidade concreta conhecida.


No episódio histórico de Diogo Cão fala-se de uma "pedra" (na ocorrência, o Padrão); essa "pedra", de que, no mito, o Navegador é miticamente (e não explicitamente) portador (ou criador) contém dois santos da religião católica:

St. António e St. Maria, o primeiro, tanto na versão antonina do Soyo como na do Kongo desaparece, abstratiza-se e só se manifesta indirectamente através da sua eleita, a santa; o itinerário mítico da expedição pelo rio Zaire conduzindo a uma "pedra" que evoca a descoberta de Yelala, facto histórico e por fim um Senhor do Soyo, um "Mani Soyo" que na narração mítica se chama Ndom Malele Kya Nsi e na narração histórica toma o nome de D. Manuel da Silva.

O que é pois o dito "Mito de Diogo Cão", senão a representação que o povo solongo se faz do facto histórico, modelado pela linguagem mítica local e pela ideologia dominante?


Assim sendo é também uma das fontes da história do Soyo cuja leitura implica a descodificação de um mito.

 

Bibliografia Sumária


ABRANCHES, Henrique - Comentário à tradição Nezinga, in Revista Internacional de Estudos Africanos, nº. 1, 1981, Lisboa.Sobre os basolongo - arqueologia da tradição oral, Ed. Fina Petróleos de Angola, Luanda. 1991
BONCTINK, F. - Les Panzelungos, ancêtres des solongo - Annales Equatoria, T.I, V.I, 1980.
BRASIO, António - O problema da eleição e coroação dos Reis do Kongo, Fac. Letras, Coimbra, 1969.
CALLEWART, R.P.E. - Les moussorongos - in Bulletin de la Societé Royale Belge de Geographie, T.29, Bruxelles, 1905
CAVAZZI DE MONTECUCCOLO, J. A. - Descrição histórica dos três reinos, Congo, Matambe e Angola - (2volumes), Junta de Investigação do Ultramar, Lisboa, 1965
COSTA, José da (informante de terreno) - Mambu mampa. Mvila a Nezinga - (manuscrito), Pinda, 1963
MVEMBA, André (informante de terreno) - Lutoma vina e Mvila a Nezinga (manuscrito), Ngande Soyo.
FELGAS, Helio E. - História do Congo português - Carmona 1958
GALLO, Bernardo da - Relations (1694-1718) - in Jadin, 1961
GONÇALVES, António Custódio - Kongo, le lignage contre l'Etat - I.I.C.T., Univ. Évora, Évora, 1985
HILTON, Anne - The Kingdom of Kongo - Clarendon Press, Oxford, 1987
JADIN, L. - Le Congo et la scecte des Antoniens - Restauration du Royaume sous Pedro IV et la "Sant Antoine" congolaise (1694-1718) - Bulletin de L'Institut Historique Belge de Rome, T. XXXIII, pgs 411 a 614, Bruxelles, 1961.
LUCCA, Lourenzo da - Relations sur le Congo, 1700-1717- in Jadin, 1961
MARCHAL, P. Gilles, s.sp. - Sur l'origine des basolongo - in "Equatoria", Revue des sciences congolaises, n-4 ano 11, 1948, pgs 121 e ss.
RAVENSTEIN, e.g. - The strange adventures os Andrew Battell of leight, in Angola and adjoining regions, 1950.
THORTON, J. - The development of un african catholic churc in the kingdam os Kongo, 1491- 1750 - in JOURNAL OF AFRICAN HISTORY, 25, n.2 (1984) pgs 147-167, Cambridge

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SEXTA-FEIRA, 26 DE FEVEREIRO DE 2010

- 1ª expedição de Diogo Cão - " a verdade dos factos "

 
 





A Confidencialidade no reinado de D. João II


O reinado de D. João II (1481 -1495), no que diz respeito às viagens de exploração efectuadas ao longo da costa ocidental de África para lá do paralelo 2 a Sul do Equador, revela-se muito sóbrio de fontes históricas, perspectivando-se, neste domínio muitas posições ocultas.

Há uma espécie de mistério sobre os acontecimentos náuticos dessa época, não são estranhas as controvérsias políticas do reinado, a necessidade de ocultar os conhecimentos, a olhares cobiçosos dos estrangeiros.

As delicadas relações com os reis de Espanha (os reis católicos Isabel e Fernando de Aragão) concorrem para algumas das tramas. Nos estudos posteriores, resultam em grandes dificuldades de interpretação dos factos.

Poucos anos após a morte do soberano, João de Barros confunde os acontecimentos, descrevendo-os com pouca regra e com erros significativos.

As "descobertas marítimas" — sobretudo depois de 1481 – envolvem projectos ambiciosos, a concretizarem-se, representam uma vantagem significativa dos portugueses no contexto das nações europeias daquela época.

É natural que o rei português tentasse escondê-las de observações indiscretas, sendo de admitir causas que assumem proporções de confidencialidade – segredo de estado, tal como aconteceu e acontece com muitas das descobertas científicas precedentes.

Esta é, seguramente, uma das possibilidades de interpretação da falta de documentos acerca das viagens efectuadas no tempo de D. João II, embora não sejam de pôr de parte as hipóteses que responsabilizam os problemas políticos ocorridos com algumas das mais importantes casas nobres de Portugal ou ainda outras causas que escapam à nossa observação actual.

Às situações para que se procurem causas determinantes, normalmente são fruto de um conjunto de circunstâncias que determinam uma conjuntura.

A escassez de documentos sobre as explorações marítimas do reinado do Príncipe Perfeito é fruto de várias causas.

As viagens de Diogo Cão estiveram envolvidas durante 400 anos em mistério, e ainda hoje se especula sobre as viagens que fez, as circunstâncias da sua morte, a votação ao ostracismo pelo Rei D. João II e o desaparecimento dos roteiros de bordo.


Nos finais do séc. XIX, o epigrafista, Luciano Cordeiro, inicia um estudo muito detalhado dos padrões que acima se referem, elaborando uma monografia, (Sociedade de Geografia), das viagens que Diogo Cão efectuou ao Sul do Equador.

Foi a partir da referida (monografia) que se iniciou o conhecimento das datas em que ocorreram a 1ª e a 2ª expedições (viagens) ao longo da costa ocidental africana, para além do paralelo 2º a Sul do Equador, abrangendo os actuais territórios do Gabão, Congo Brazaville, Congo Zaire, Angola e Namíbia.

Viagens, datas e duração.


1ª Viagem – Julho/Agosto 1482 – Abril 1484


Diogo Cão, Bartolomeu Dias, Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral, e os Cortes Reais, João, e seus filhos Gaspar e Miguel, foram os navegadores, mais destacados ao serviço da coroa portuguesa nos finais do séc. XV [1480 – 1500].

Na demanda do mar oceano, as expedições marítimas para Sul do Equador, no tempo de D. João II, tiveram como denominador comum, a saída dos navios do pátrio Tejo, Lisboa, Portugal, em plena estação estival, Verão.

Bartolomeu Dias, deixou o Tejo em Agosto de 1487, com duas caravelas e uma naveta de mantimentos.

A pequena frota fez escala em São Jorge da Mina e depois seguiu a costa reconhecida e traçada por Diogo Cão. Dias não encontrou o Prestes João, nem chegou ao Oriente, mas abriu o caminho.

A costa desde as Ilhas Chãos até ao Rio do Infante estendia-se indubitavelmente para Nordeste e a água do mar, que é muito mais quente do que aquela perto dos cabos mais a Oeste, só podia vir das latitudes tropicais. Sem dúvida, tinha dobrado a África e aberto o caminho marítimo para a Índia.

A célebre viagem de descobrimento do caminho marítimo para a Índia, realizada em [1497-1498], por uma armada de quatro navios comandada por Vasco da Gama, larga do rio Tejo em 08 de Julho de 1497.

A data de 09 de Março de 1500, marcou a largada da frota Pedro Álvares Cabral, constituída por 13 navios com destino a Índia. A antecipação, resultou das recomendações de Vasco da Gama, única excepção conhecida.

Evitar a época das monções do oceano Índico, pois atrasavam a navegação. Tempo de espera, em Sofala, e na ilha de Moçambique, até que as guarnições topassem ventos de feição.

Por analogia, se as expedições posteriores partem de Portugal em pleno solstício, Diogo Cão, nas duas viagens efectuadas para Sul do Equador (1482) e (1485), ao longo da costa ocidental de África, para lá da latitude 2º Sul, largou do Tejo em plena estação estival.

As caravelas ao sulcar as águas do oceano a Sul do Equador, tempo bonançoso e ventos de feição, são factores determinantes para um bom sucesso do empreendimento.

É, humanamente impossível nas circunstâncias em que decorreram e no espaço de tempo em que foram efectuadas, ter Diogo Cão realizado três viagens , meados de 1482 a finais de 1486 ou princípios de 1487, da exploração da costa ocidental africana ainda desconhecida.

Já ouvimos falar de Diogo Cão, aquele duro capitão da caravela que tão desagradável se tornou ao pobre Eustache de la Fosse, quando o turnesino andava a cruzar em frente da costa da Guiné.

Diogo Cão veio dos montes selváticos de Trás-os-Montes, no Norte de Portugal. Escudeiro, filho de uma família de guerreiros enérgicos, que se distinguiram nos reinados de D. João I e D. Afonso V, está pronto a ir a toda a parte, enfrentar fosse o que fosse, fazer tudo o que era preciso; é um homem à feição do rei.

A expedição parte – ignora-se a data precisa, em pleno verão de 1482, antes dos fins de Agosto. No caminho visita a Mina, onde Diogo de Azambuja comanda o forte, meio construído.

S. Jorge da Mina é um porto com utilidade, ali os navios podem fazer aguada. Diogo Cão fornece-se, sem dúvida, de tudo o que pôde, antes de seguir viagem, ao longo da vasta curva do golfo da Guiné.

Seguindo para Leste e, depois, para o Sul, tendo atravessado o Equador, passa o cabo de Santa Catarina, último ponto conhecido do mapa no reinado de D. Afonso V, prosseguindo sempre para o Sul.

Levanta o primeiro padrão de pedra calcária na foz dum grande rio, à latitude 6º 5’ Sul, num sítio arenoso, conhecido por "moita seca", na margem Sul junto à foz na presença da autoridade local, o Manisoyo.

Os portugueses viram os rios do Senegal e Gâmbia. O pátrio Tejo, nada se assemelha a tamanha grandeza. Em nada, porém, se pode comparar com aquele rio.


Foz do rio Zaire ou Congo- 1º plano ponta do Padrão

Fluindo do centro do misterioso continente, corre majestoso, com três léguas de largo na embocadura, misturando as suas águas castanhas com as azuis do oceano até vinte milhas além da foz. Descobrimento, na verdade, digno de nota.

Sobe depois o rio, para ver que espécies de homens vivem junto às margens, acha a terra tão densamente povoada, ultrapassando todos os cálculos.

Uma multidão de habitantes de cabelo encarapinhado surge correndo das choças cobertas de folhas de palmeira. Junta-se na margem do rio, onde é hoje a cidade do Soyo, a olhar espantada para os castelos flutuantes com homens brancos dentro.

Na aparência não diferem das tribos encontradas pelos portugueses noutros pontos da África, mas falam uma língua incompreensível a qualquer dos intérpretes que seguem com a expedição.

Por meio de sinais e pantominas estabelece-se a comunicação.

Os portugueses percebem que o rio se chama "Zaire", atravessa um grande império governado por um poderoso rei, conhecido peloManicongo, vivendo com a sua corte no interior a certa distância.

O rei de Portugal deseja manter relações de amizade com todos os potentados da África.

Diogo Cão está pronto a desempenhar o seu papel. Prepara um rico presente de várias coisas para oferecer à majestade negra.

Dois mensageiros cristãos vão à corte para dizer ao Manicongo que o grande rei branco, está em paz com todo o mundo, deseja também a sua amizade.

Depois de levados até Nóqui, os emissários desaparecem no mato com alguns guias do Manisoyo, penetrando 20 léguas para o interior, até uns montes cobertos de florestas onde vêem, agrupadas no cimo, as habitações cobertas de palmeiras, Congo - Ambasse, ou M’ Banza Congo, capital e residência do rei.

O rei congolês fica contentíssimo com os seus visitantes. Não se sabe como se entendem. É evidente que se acham meios de comunicação eficazes. O rei congolês, tem muitas perguntas a fazer, está tão interessado pelas respostas, que se mostra contrário a deixar partir os estranhos.

Enquanto estes acontecimentos decorrem, Diogo Cão veleja contra a corrente a montante de Nóqui, onde o rio se estreita cada vez mais. Impossibilitado de o fazer pelas fortes correntes fluviais, retrocede.

Deu a volta, sem avistar o povoado de Matádi. O rio nesta época do ano corre vertiginoso.

Deste modo, segue o curso do rio até à foz.

Zarpando para Sul vai à procura de uma passagem marítima para Oriente.

Passado algum tempo, após ter atingido os 15º 8’ de latitude Sul, onde se encontram os promontórios pontiagudos do Pontal Norte do Cabo Saco do Giraul, de águas profundas, convencem-se da aproximação ao Promontório Prassum. Não se apercebem da larga baía adjacente. A intempérie, um manto nevoeiro cerrado, névoa espessa, não permitiu a visualização da orla marítima a partir dali.

Confrontados com esta situação, os nautas voltam para trás. Depois de algum tempo de navegação, arribam novamente ao estuário do Rio Zaire, ajudados por ventos de feição e pela corrente fria de Benguela.

Chegados ao rio Zaire ou Congo, Diogo Cão e os seus homens certificam-se que os emissários enviados ao rei, ainda não tinham voltado, embora a sua ausência durasse já muito mais tempo do que combinara.

Espera com impaciência, durante muitos dias, junto à margem, no porto de M’ Pinda.

Como os seus homens demoram o regresso, resolve não esperar mais. Não deixa sair quatro homens de categoria que visitam os seus navios. Manda recado ao rei a dizer que voltará mais tarde.

Todos os dias aparecem africanos nos navios a comprar panos, não é difícil reter quatro deles.

Além disso, para evitar qualquer injúria aos emissários portugueses, por meio de sinais, Diogo Cão deu a entender que os leva para os mostrar o seu soberano.

Promete depois de passar 15 meses, trazê-los de novo à sua terra. Entretanto, os seus mensageiros ficam confiados ao cuidado do rei do Congo.

Têm tempo de aprender a língua e os costumes da terra. Os africanos levados por Diogo Cão estudam português. Assim se estabelece o intercâmbio, podendo abrir-se fontes de informação útil.

Esta viagem já se prolongara por mais de um ano, é provável que escasseassem as provisões.

Diogo Cão faz-se de vela para Portugal. Trata-os sempre como hóspedes de honra e também como discípulos distintos. Durante todo o percurso da viagem, recebem instrução intensiva.

Os africanos sabem corresponder. Diz João de Barros por se adaptarem bem e serem de nobre nascimento!

Quando chegam a Lisboa, já sabem falar um pouco de português e estão aptos a responder às perguntas que o rei lhes queira fazer.

Estas são muitas, D. João fica encantado com os seus visitantes, vindos dum reino negro até então desconhecido. Ele não ordenara a Diogo Cão que lhe levasse exemplares humanos, contudo aprova a iniciativa do capitão.

O rei continua a proporcionar aos nobres africanos o melhor tempo de vida deles: veste-os com roupas magníficas, aloja-os admiravelmente e mostra-lhes todas as maravilhas da sua corte; os grandes do reino da casa real fazem-lhes muita honra e recebem-nos com as atenções devidas a hóspedes tão distintos, de uma nação estrangeira e amiga.

Do ponto de vista das investigações antropológicas é uma providência muito sensata – menos satisfatória talvez para os portugueses perdidos na África equatorial, pior ainda para os africanos levados por seres desconhecidos para terras ignoradas dentro de meios de transporte nunca vistos!

Depois de desembarcarem em Lisboa, não se perde a oportunidade de os ir integrando nos costumes, hábitos e práticas portuguesas, dando-lhes a conhecer muitas coisas que eles até então ignoram, no aspecto material, social e religioso.
O navegador, pretende apresentá-los ao Rei e à corte como testemunho válido da sua importante descoberta. [Elaine Sanceau]

Pode-se afirmar da tarefa educativa e civilizadora de Portugal, em relação à futura Angola, começa com a primeira viagem de Diogo Cão. Positivamente, não é imposta, são os naturais, as populações silvícolas, que a assimilam, vendo nisso vantagens evidentes.

No termo da 1ª viagem, o navegador permanece em Portugal, desde princípios de Abril de 1484, até finais de Agosto de 1485 data da partida para a 2ª viagem.

Os africanos trazidos devem regressar ao Zaire no espaço de 15 meses, promessa feita pelo navegador ao Manisoyo, residente em M’ Pinda, a 10 km da foz do rio Zaire.

A viagem de Diogo Cão desperta interesse especial – não tanto pelo descobrimento de um novo império africano, como pela extensão da costa revelada.

Vemo-la traçada cuidadosamente pelo veneziano Cristóforo Soligo num mapa desenhado em 1486 por informações colhidas em Portugal, ali se vê o padrão de Santo Agostinho no cabo de Santa Maria (então chamado Lobo); depois dessa costa atinge uma grande ponta, volta para leste e de repente desaparece.

Oh! Essa enigmática curva para leste! Os geógrafos consultam o seu Ptolomeu. A latitude alcançada por Diogo Cão encontra-se pertíssimo do paralelo do Promontório Prassum dos Antigos! Os sábios da Antiguidade não acreditam que a África se estendesse mais para Sul. Com certeza Diogo Cão chegara ao ponto que o leva ao oceano Índico.

A ideia obtém aceitação da parte dos homens de saber, colige-se da oração de Vasco Fernandes de Lucena, proferida no dia 11 de Dezembro de 1485 quando é enviado por D. João II a prestar obediência ao papa Inocêncio VIII.

O eloquente doutor excede-se a si próprio. Em sonoros períodos latinos, proclama tudo o que os reis de Portugal têm feito pelo Cristianismo e pela expansão da Fé. Assim como se esmaga a cabeça duma serpente venenosa, assim D. João I esmaga o poder dos mouros em Ceuta, os seus descendentes continuam a boa obra.

Estendendo o domínio da Igreja pelas costas de África e pelas ilhas do oceano. Em especial D. João II, em quatro anos, três meses e treze dias, leva a cabo coisas maiores do que as realizadas durante quatro décadas. [Elaine Sanceau]

Depois de descrever o castelo da Mina, facho da civilização entre “ estes povos ferozes e bárbaros”, que já mostram indícios de grande mudança devido ao contacto com os cristãos, o orador apresenta a sua conclusão mais sensacional; a tudo aquilo, exclama ele:

“ a esperança fundada de explorar o golfo Arábico, onde reinos e povos que habitam a Ásia, mal conhecidos de nós por notícias muito incertas, praticam escrupulosamente a fé santíssima do Salvador, dos quais, a dar crédito a experimentados geógrafos, já a navegação portuguesa se não encontra senão a alguns dias de viagem. Efectivamente, descoberta já uma parte enormíssima da costa africana, chegaram os nossos no ano passado até perto do Promontório Prassum onde começa o golfo Arábico; foram explorados os rios, praias, e todos os portos desde Lisboa, numa extensão de mais de 45 centenas de milhares de passos, estão enumerados com exactíssima observação de mar, das terras e dos astros”.

Acredite ou não o rei em tal feito, o certo é que dá a Diogo Cão uma bela recompensa. A 8 de Abril de 1484, depois de o ter armado cavaleiro, D. João II concede-lhe uma tença de 10 mil reais. Cinco dias depois eleva-o à nobreza, autoriza-o a usar um brasão com dois padrões, como os que ele levantara em África, erguendo-se altivamente sobre dois montes

Qual o ponto da costa mais a Sul atingido na 1ª viagem!

Diogo Cão ficou pelo Pontal Norte do Saco do Giraul que o dobrou, sem avistar a enorme baía que acabava de entrar, actual Baía de Moçâmedes.

Pode ser comparado o traçado da costa, pelo recorte do mapa de Soligo e um mapa real, desde o rio Catumbela -rio do Paul –, ao cabo extremo Sul do mapa desenhado.

Segundo a opinião de alguns historiadores, Diogo Cão chegou à baía de Lucira Grande, – 26 milhas náuticas -48 km a Sul do cabo de Stª Maria, navegou pouco mais 5 milhas ,10 km para Oeste tendo apenas alcançando o Cabo de Stª. Marta.

Aí por razões desconhecidas, regressa ao reino, talvez por escassez de víveres ou porque os marinheiros sofressem de escorbuto.

O cabo de Stª Marta delimita a baía de Lucira Grande inflectindo para Oeste e Sul.

É estranho, dadas as boas condições de visibilidade, o navegador confundisse a baía de Lucira Grande e o cabo de Stª Marta, como se fosse o extremo Sul do continente Africano!

O cabo extremo Sul do mapa desenhado por Cristóforo Soligo, como já se referiu, corresponde ao actual Pontal Norte do Saco do Giraul, entrada Norte da Baía de Moçâmedes (Namibe - Angola), inflectindo para Nordeste.

Dista de 105 milhas náuticas -194 km a Sul do Cabo de Stª Maria e a 79 milhas náuticas -146 km – do cabo de Stª Marta.

Nessa baía , é comum, o nevoeiro cerrado fazer parte integrante da paisagem matinal, intempérie adversa à navegação, cenário encontrado por Diogo Cão e os seus homens, quando aí chegaram, Setembro de 1483, não avistando a enorme baía de Moçâmedes.

Destacam-se os padrões colocados na 1ª viagem (1482 -1484) por Diogo Cão ao longo da costa africana, para lá do paralelo 2 sul foram 2 (dois) na actual costa de Angola:

“O padrão de S. Jorge erigido em 26 de Abril de 1483, junto à foz da margem esquerda do Rio Zaire ou Congo – Angola, num local conhecido por Moita Seca (Ponta do Padrão), latitude 6º 5’ Sul”.

“O Padrão de Stº. Agostinho erigido em 28 de Agosto de 1483, no Cabo do Lobo, hoje Cabo de Stª Maria – Sul de Benguela -Angola, lat. 13º 25' Sul”.

As inscrições dos Padrões da 1ª Viagem [1482 -1484]

Padrão de S. Jorge

. O Padrão de S. Jorge, parte superior, encontra-se perdido nas águas do Rio Zaire. Alguns fragmentos estão na Sociedade de Geografia em Lisboa.

Assim, relativamente às inscrições do Padrão de S. Jorge, desconhece-se o teor das mesmas.

Acresce o facto de Diogo Cão ter escolhido para o brasão de armas os dois padrões que ergueu (S. Jorge e S. Agostinho). O primeiro na ponta da margem esquerda do rio Zaire, moita seca. O segundo no cabo do Lobo (cabo de Stª. Maria - Angola).

No brasão das armas de Diogo Cão, verifica-se a semelhança dos dois padrões.

Deste modo, as inscrições efectuadas no Padrão S. Jorge são idênticas às do Padrão de Stº. Agostinho! O tira teimas é encontrar a parte superior do padrão que se encontra perdida nas águas do rio. Tarefa de difícil execução, mas não impossível.

Segundo Edgar Prestage – descobrimentos portugueses – pág. 197, o Padrão do rio Zaire, foi em 1642 destruído pelos holandeses quando invadiram a cidade do Soyo e reconstruído pouco depois, com os seus traços originais.

A administração civil do concelho em 1975 funcionava num antigo pavilhão da arquitectura holandesa.

Restaurado o Padrão, assim permanece até 1855, na Ponta do Padrão, até que um dia um vaso de guerra britânico, despedaça a tiros de canhão o azarado Padrão, o que restou dele segue para Portugal, por ordem do governo português na altura.

· Padrão de Stº. Agostinho

Muito bem conservado, na Sociedade de Geografia em Lisboa refere apenas uma inscrição em português daquele tempo e menciona duas eras:

A da criação do mundo: 6681
A de Nosso Sr. Jesus Cristo: 1482

O ano 6681, da criação do mundo, era Eusebiana, vai de 01 de Setembro de 1481 a 31 de Agosto de 1482.

O ano de 1482, de Nosso Sr. Jesus Cristo, era actual, marca o anos já decorridos do nascimento de N.S. Jesus Cristo.

A inscrição efectuada no padrão, feita em Portugal, antes de a viagem começar, é talhada no ano de 1482.

Diogo Cão parte do Tejo em Julho ou Agosto de 1482, após o começo do solstício, 21 de Junho, à semelhança de Bartolomeu Dias, Agosto de 1487 e Vasco da Gama, 08 de Julho de 1497.

A duração da 1ª viagem foi de 20 meses, 1 ano e 8 meses, saída em (Julho/Agosto de 1482), chegada a Portugal em princípios de Abril de 1484.

O governador geral Guilherme Augusto de Brito Capelo, em 1891 ordena que o Padrão de Stº Agostinho fosse substituído por uma réplica e recolhido ao Museu Colonial, criado vinte anos antes e mandado entregar, em 1892, à Sociedade de Geografia, pelo ministro Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, em cujo átrio se encontra metido, numa forte tripeça de ferro bronzeado, que o mantém em posição vertical.

O Padrão de Stº Agostinho é assim substituído em 1892 por uma réplica, fica na posição frontal ao farol do Cabo de Stª Maria.
 
 

- 2ª expedição de Diogo Cão - A verdade dos factos -

 
 


 

2ª Viagem – Setembro de 1485 a Março/Abril 1487?!


O cronista João de Barros (Décadas da Ásia) afirma:


“…Diogo Cão, no retorno da segunda viagem subiu o Rio Zaire, foi visitar o Rei do Congo à sua residência, e regressou ao reino”

Estas afirmações à luz dos factos conhecidos, não correspondem à verdade:

 - João de Barros nasce em 1496, as fontes históricas referentes às viagens de Diogo Cão, relatadas em “Décadas da Ásia”, encontram-se distorcidas. João de Barros inicia a descrição dos acontecimentos, trinta anos depois.

 - Nesta 2ª viagem, quando os nautas chegaram ao estuário do rio Zaire, vindos de Portugal, meados de Novembro de 1485, verificaram em M’ Pinda junto do Manisoyo, que os emissários enviados dois anos antes, Maio 1483, não se encontravam ali.

Foi-lhes dito por notícias incertas, que os mensageiros ainda estariam na residência do rei do Congo, ou seja a 23 dias de caminho.

 - Objectivo primordial; encontrar os emissários portugueses, os nautas não sabiam se estariam vivos, cativos ou mortos, e confraternizar com o imperador congolês.

Os nautas zarparam rio acima até à actual vila de Nóqui – Angola, 160 km da foz, lugar mais próximo da residência do rei do Congo.


 - É verdade que Diogo Cão se encontrou com Manicongo – rei do Congo , esperou por ele ali em Nóqui. Não foi à sua M’ Banza, residência. Fê-lo seguramente agora chegado de Portugal e não no regresso desta 2ª viagem.

 - O cronista, Garcia de Resende, contemporâneo de Diogo Cão, relatou que o Manicongo, se deslocou da sua residência até ao Rio Zaire, 20 léguas de distância, ao encontro do navegador, onde as caravelas se encontravam em Nóqui. Os navios acabavam de chegar de Portugal.

 - O mapa veneziano do frade Fra Mauro assinala em destaque, um canal de ligação, oceano Atlântico ao oceano Índico. Tal canal só podia ser o rio onde se encontravam.

 - Se fosse possível atravessar o canal, os portugueses estariam a poucos dias de atingir o oceano Índico, pela via fluvial, distância mais curta, do que dar a volta pelo Sul onde chegaram 15º 8’ lat. Sul, baía de Moçâmedes, que suspeitaram, Setembro de 1483, ser o extremo Sul do continente africano.

 - Diogo Cão levava a bordo os africanos que prometera devolver, dentro de 15 luas, ou 15 meses, ao Reino do Congo, promessa feita ao Manisoyo residente em M’ Pinda, quando zarpou com eles no regresso a Portugal da 1ª viagem: Pelo cômputo da contagem do tempo, os nautas estavam atrasados.

Assim sendo, é evidente que Diogo Cão subiu o rio Zaire logo à chegada, vindo de Portugal. Seguramente, não o fez no regresso desta viagem. O navegador trazia ordens urgentes e bem definidas do monarca português se encontrar com o imperador daquelas terras, a fim de se tornar um forte aliado de Portugal.

Pelo exposto, as afirmações de João de Barros, contradizem a realidade, Diogo Cão não esteve com o Manicongo no regresso da 2ª viagem.

Em Setembro de 1485, Diogo Cão voltou a partir. Saindo de Portugal os nautas seguiram em direcção ao rio Zaire. Era tempo de cumprir as promessas feitas aos africanos de os levar para a sua terra.

Por do sol, tendo como cenário a densa e inóspita floresta equatorial africana e o rio Zaire, também conhecido por rio Poderoso e depois rio do Padrão, por aí ter sido chantado por Diogo Cão, em Abril de 1483, um padrão dos descobrimentos portugueses.
Navega pelo rio acima, passando por Boma até Nóqui (170 km da Foz). Por entre margens pantanosas e florestas silenciosas, as caravelas de velas brancas dirigem-se para o coração do misterioso continente africano. Avançam sempre contra a corrente cada vez mais rápida, enquanto das duas margens árvores frondosas juntam seus ramos, apertando o poderoso rio entre elas, realizando de seguida as aspirações que os detêm:

-Reaver os emissários enviados dois anos antes.
-Estabelecer amizade com o rei do Congo.
-Explorar o rio mais a montante de Nóqui. É possível navegar pelo rio Zaire até Quiloa que fica do outro lado da costa africana oriental?! (O canal de ligação, oceano Atlântico ao oceano Índico pode ser observado no Mapa de Fra Mauro).

A primeira parte do programa era mais fácil. Os africanos, com as suas roupas magníficas, carregados de presentes, voltaram à sua terra cheios de histórias admiráveis para contar.

O encontro dos dois protagonistas, Diogo Cão e Rei do Congo, foi encetado. Antes disso o navegador utilizou duma artimanha.

Enviar à residência do rei, a 20 léguas de distância, dois dos quatro vassalos africanos instalados a bordo, anunciar que ele e os seus se encontram ali, em Nóqui, à espera do rei.

Enquanto isto, o navegador decide ir mais além, passando pelos redemoinhos conhecidos pelo nome de Cadeira do Inferno, onde o rio se encarpela ao precipitar-se numa passagem de meia milha de largura com uma velocidade de dez milhas à hora.

É espantoso como Diogo Cão consegue fazer passar os seus navios e chegar à vista das cataratas de Yelala.

O rugido das cachoeiras, que abafa os murmúrios da floresta, avisa os navegadores de que os seus navios não podem ir mais longe. Diante deles abre-se uma garganta de rochedos onde a água faz redemoinhos. As caravelas dão a volta, mas os homens desembarcam e trepam por pedras escarpadas e escorregadias, junto ao afluente do rio M’ Pozo.

Nenhuma crónica regista esta expedição às cataratas de Yelala; não sobrevive nenhum documento em papel ou pergaminho a relatá-lo.
Ali, o raro viajante que se atreva a arriscar a vida e os membros trepando até aos rochedos das quedas de Yelala, pode ver as armas de Portugal gravadas com os escudetes todos virados para baixo.

Significa serem posteriores à reforma da Bandeira decretada pelo monarca em Março de 1485; ao lado encontra-se uma cruz da Ordem de Cristo, inscrições em letra quatrocentista de estilo Gótico , nomes de alguns marinheiros que vão na expedição, assinalando a presença dos portugueses para a posteridade.

As suas façanhas não tem precedentes, as célebres inscrições nos rochedos de Yelala, perto da confluência do rio M' Pozo com o rio Zaire mostra inequivocamente que os portugueses chegaram pelo menos àquele ponto.

Diogo Cão e os nautas procuram uma saída a montante, as cachoeiras e rápidos de Yelala travaram o seu andamento, termo da navegabilidade do rio Zaire até Kinshasa.

Deixando à guarda da solidão desértica a prova da sua proeza, Diogo Cão e os seus marinheiros voltaram aos navios descendo o rio até Nóqui. Ali, Diogo Cão, demorou-se o tempo necessário por notícias do Manicongo, de receber a bordo os mensageiros deixados ficar dois anos antes.

Não foi em vão que Diogo Cão enviou dois dos quatro africanos à residência do rei a anunciar a chegada dos portugueses, esperando pelo rei ali em Nóqui.

Ao mesmo tempo os enviados ao rei não se cansaram de exaltar as maravilhas do reino dos brancos.

Os seus amigos, que os choravam julgando-os mortos para sempre, ficam espantadíssimos, cheios de alegria por vê-los de regresso com saúde, tão contentes e maravilhosamente vestidos, interessantes aventuras para contar.

O rei não se cansou de ouvi-los e de admirar os presentes que lhes levavam.

A sua alegria ficou completa quando o rei foi ao encontro de Diogo Cão que o esperava ansiosamente junto ao rio. Diogo Cão ofereceu um rico presente para Sua Majestade e deixou recados de D. João II.

Aquele consiste em “cousas boas, e finas, e de muita valia”, estes, num franco oferecimento de amizade e aliança, ao mesmo tempo um delicado convite para o rei do Congo, “ abandonar a idolatria e salvar a alma”.

Abrandado pelo presente principesco, o coração do monarca africano abriu-se imediatamente à graça divina. Daí a pouco está “sospirando já por sua salvação”, declarando sentir-se, realmente, satisfeito em seguir a fé dum rei como o de Portugal, tão sabedor como feliz, faz supor as suas convicções serem verdadeiras. Deus não a fez uma criatura assim perfeita para depois a privar do conhecimento da verdade.

O rei do Congo ficou de tal modo impressionado por Diogo Cão, que muitas perguntas lhe fez, ficando renitente em deixá-lo ir embora.

Disse, que irá mandar a Portugal um embaixador – Caçuta se chama o homem. É um dos quatro que está ali com eles, a falar bem a língua portuguesa. Espera que D. João II mande baptizar Caçuta, lhe envie alguns padres e frades para celebrarem os ofícios divinos. Também carpinteiros, pedreiros, lavradores, padeiras, artífices especializados ensinando aos africanos as maneiras de viver dos Portugueses.

Edificar-se-ão belas igrejas como as que Caçuta descrevera; as mulheres da África fabricariam o pão como as de Portugal; os bois africanos adestrar-se-iam à lavoura; mandar-se-iam a Portugal rapazes a baptizarem, aprenderem a ler, a escrever, a fim de ensinar os seus patrícios quando voltassem à terra.

De futuro o Congo será como Portugal em África, declara o rei. Ele próprio está resolvido a fazer-se cristão.

Grandes notícias aquelas. Caçuta é enviado como o primeiro embaixador congolês, trazido na frota de Bartolomeu Dias aquando do regresso deste navegador após a descoberta do Cabo da Boa Esperança.

As perigosas cachoeiras perto das cataratas põem de parte as aspirações de Diogo Cão. (A rota até Quiloa, no oceano Índico, pelo rio está fora de questão). O canal do Mapa de Fra Mauro corresponde à verdade?!

Descem o rio até à foz. Depois rumam para Sul até às imediações doPromontório Prassum onde começa o golfo arábico do Mapa de Fra Mauro, onde anteriormente chegaram (Setembro de 1483).

Além disso – mais importante ainda – tem de continuar a sua viagem de exploração a partir do ponto onde a deixara – para dar a volta ao extremo de África e entrar no oceano Índico.

Infelizmente as fundadas esperanças dos geógrafos experientes demonstram ser tão falazes como as dos outros mortais! Aquela curva que Soligo desenha no seu mapa, de modo tão tentador, é precisamente outra baía, depois daquele cabo (actual cabo ou Ponta Saco do Giraul), entram numa larga baía a perder-se de vista (Baía de Moçâmedes), cujo limite indica a direcção do Sul.

Em vez de ir direita ao oceano Índico, a costa infinita segue novamente para o Sul. Continua em direcção ao pólo antárctico.

Nem sinais do Promontório Prassum, nem do mar da Arábia, nem dos povos que praticam escrupulosamente a fé crista – unicamente desertos onde linhas de montanhas solitárias se erguem para além de pântanos de mangues, terra desolada sem cidades ou vida própria, habitada por povos que falam línguas desconhecidas.

Apreensivos pelo inesperado, contornam a baía seguindo para diante.

Navegando até aos 15º 40’ lat. Sul, onde do deserto esbranquiçado emerge um monte sombrio que desce direito ao mar, deixa mais um dos padrões a desafiar o tempo, o Padrão do Cabo Negro. De seguida entram na angra das Duas Aldeias ,Porto Alexandre, Tombua.

Mais a Sul a Manga das Areias, baía dos Tigres, a Ponta Verde, a baía das Baleias.

Ao longo duma costa desolada – dunas cinzentas e colinas calcinadas do sol, montes de movediça areia branca, terra deserta onde não podem encontrar árvores nem habitações humanas, repetição das costas do Sara nas proximidades do Cabo Branco.

As praias cor de neve estendem-se junto duma colina extensa de montes cinzentos e terminam em frente dum cabo onde as ondas se desfazem sobre escolhos baixos e pontiagudos no sopé dum cone escuro, semelhante a uma pirâmide truncada.

Ali planta Diogo Cão o seu último padrão, encontrado intacto e direito ao fim de 400 anos, no que ainda hoje se conhece pelo cabo da Cruz – Serra – (Cape Cross). Navegam mais 50 km para Sul atingindo a Ponta dos Farilhões, à latitude 22º 26’. A viagem termina.

Foram percorridas mais de mil milhas náuticas por uma costa totalmente deserta e sem rios à vista.

Desconhecem-se as razões porque ali terminara, porém suspeita-se de algo imprevisto e grave.

Diogo Cão morre, a célebre legenda em latim do mapa de Henricus Martellus Germanus afirma categoricamente “… por alturas da serra Parda o navegador aqui morre”, por se "...embrenhar por terra adentro e nunca mais aparecer",notícias dos sobreviventes!

A costa por onde navegaram não oferece quaisquer hipóteses de sobrevivência, falta de água potável e escassez de víveres.

A expedição volta para trás, tendo chegado quase ao Trópico de Capricórnio, mas não ao limite da costa infinita.

Não sabemos, com exactidão, o que obriga a retroceder, mas quando pensamos naqueles pequenos barcos que só podem levar abastecimentos em número limitado, a navegarem cada vez mais pelos mares desertos ao longo de terras áridas, para o desconhecido, o que espanta não é o facto de não terem ido mais longe ainda, mas sim o de terem chegado até ali.

Bartolomeu Dias, ao passar junto àquela costa em finais de 1487 a caminho do extremo sul de África, vai bem provido de mantimentos.

Da naveta transfere os alimentos para as caravelas e deixa-a na angra das Duas Aldeias, actual Porto Alexandre (Tombua), ou Baía dos Tigres (Manga das Areias), com 9 homens.

Dias é avisado pelos sobreviventes da expedição de Diogo Cão que a partir dali as tarefas a bordo, dia a dia se tornarão cada vez mais penosas.

Bartolomeu Dias, antes de aportar a S. Tomé e Príncipe, na viagem de regresso depois de ter dobrado o Cabo da Boa Esperança, fez-se ao Porto de M’ Pinda no rio Zaire. Embarca os africanos que estão destinados (a embaixada congolesa não chega a vir para Portugal com os sobreviventes da 2ª viagem de Diogo Cão). Demanda a ilha do Príncipe mais a Norte onde encontra Duarte Pacheco doente de cama.

Este navegador é despachado pelo Rei português com o fim de conhecer os rios do continente africano, e, como não pode ir em pessoa, envia o seu navio para fazer algum tráfico, mas o navio naufraga.

Duarte Pacheco e alguns sobreviventes embarcam então nos navios de Bartolomeu Dias, os quais foram à mina carregar pó de ouro daquela região e chegam finalmente a Portugal, em Dezembro de 1488

Desconhece-se em absoluto a data exacta da chegada dos sobreviventes da 2ª viagem dos navios de Diogo Cão, ao reino de Portugal.

Porém, estamos certos que os sobreviventes desta 2ª viagem de Diogo Cão, chegam a Portugal, antes de Agosto de 1487, data em que Bartolomeu Dias parte na demanda da descoberta do extremo sul do continente africano, encontrando a passagem para o oceano Índico.

João de Santiago é o piloto da naveta de mantimentos da armada de Dias.

João de Santiago, fez parte da 2ªviagem de Diogo Cão, o seu nome está gravado nos rochedos de Yelala. Conclui-se deste modo, que os sobreviventes da 2ª viagem de Diogo Cão chegam ao reino antes de Agosto de 1487.

Os padrões colocados na 2ª viagem, por Diogo Cão ao longo da costa africana, para lá do paralelo 2 sul foram 2 (dois), 1 na actual costa de Angola e outro na Namíbia:

“O padrão do Cabo Negro erigido a 16 de Janeiro de 1486, no Cabo Negro, a norte da cidade de Tombua ex – Porto Alexandre – Angola, latitude 15º 40’ Sul”.

“O Padrão do Cabo da Cruz (Serra), actual Cape Cross no Sudoeste Africano – Namíbia, erigido em Fevereiro/Março de 1486, latitude 21º47’ Sul”.



As inscrições dos Padrões da 2ª viagem


O Padrão do Cabo Negro

Pouco ou nada a acrescentar, encontra-se na Sociedade de Geografia em Lisboa.
Este Padrão está em mau estado de conservação.

O Padrão do Cabo Negro apresenta semelhanças com o Padrão do Cabo da Serra, tendo em conta a estrutura e a altura destes, bem como alguns caracteres indecifráveis no fuste.


O Padrão do Cabo da Serra ou Cruz

O melhor conservado de todos os padrões, encontra-se em Berlim – Alemanha.
Está encimado com a cruz de Cristo original.
Refere duas inscrições, uma em latim e outra em português.
As inscrições abordam o capitel e o fuste do padrão.

A inscrição em latim como a inscrição em Português refere duas datas:
A da criação do mundo e a de Nº Sr. Jesus Cristo

Na inscrição em latim duas datas – 6684 e 1485
Na inscrição em português duas datas – 6685 e 1485

Porque razão as data da criação do mundo (latim e português) não são coincidentes!?.

São efectuadas em momentos diferentes?

A inscrição em latim foi inserida no padrão como limite a data de 31 de Agosto de 1485 e a inscrição em português depois deste dia?!

A divergência das datas, remetem-nos para a análise efectuada no capítulo anterior.

Deste modo, Diogo Cão saí do Tejo nesta segunda viagem (expedição), no mês de Setembro de 1485, logo a seguir à conclusão das inscrições dos padrões, Revainstain refere-se a este assunto.

À semelhança da 1ª viagem, duração máxima de 20 meses, a 2ª viagem de Diogo não foi além desse tempo. Iniciada em Setembro de 1485, termina o mais tardar em Abril ou Maio de 1487.
 
 

" conclusão" - chave do enigma das viagens e morte de Diogo Cão"

 
 



Conclusão:


Referente à 2ª expedição de exploração da costa marítima ocidental africana, efectuada por Diogo Cão, Henricus Martelus Germanus, no seu globo terrestre de 1489, na legenda em latim, divulga a morte de Diogo Cão, e não em que circunstâncias ocorreu, [por doença ou acidente],

Navegando 1000 milhas ao longo da costa marítima, deste o Cabo Negro, Angola, assinala a morte do navegador ao atingir a Serra Parda, depois de erguer o último padrão no Cabo da Serra ou Cruz, Cape Cross de hoje, Namíbia.

No séc. XIX, a legenda é contestada por historiadores modernos, aludindo ao facto do termo “ hic moritur”, “aqui morre” se refere implicitamente, ao “términus”, fim da 2ª expedição, e não à morte do navegador.
.
Esta contestação, resulta das afirmações do cronista João de Barros em “Décadas da Ásia”, séc. XV, decorridos 30 anos depois dos acontecimentos da 2ª expedição de Diogo Cão : “O navegador, Diogo Cão regressou ao reino, e dele nunca mais houve notícia”.

A partir de 1891, criou-se o mito de justificar um lugar adequado à sepultura do navegador:

Começaram a circular boatos de que em Vila Real de Trás-os-Montes existia o túmulo de Diogo Cão.

O Padre Ruela Pombo afirmava: «Na hoje cidade de Vila Real de Trás-os-Montes na igreja de São Domingos (Sé Catedral) existe o túmulo que guarda os restos mortais do grande navegador Diogo Cão».

Na revista Diogo Cão 1ª série (1931 – 1932), pág. 196, o P. Ruela Pombo refere:

«Diogo Cão..... Jaz em Vila Real, na igreja de São Domingos, onde o seu sarcófago simples está exposto na arcadura da nave do lado do Evangelho».

A notícia é mais tarde divulgada, por Gastão de Sousa Dias.

Ainda hoje há a convicção de que o navegador não morreu no termo da segunda viagem, muitas pessoas acreditam que Diogo Cão regressou dessa 2ª viagem.

De facto, na igreja de S. Domingos, a meio da nave do Evangelho, existe um túmulo embutido na parede sob um ornamentado arco, uma inscrição de três linhas, duas na face do tampo e a terceira no rebordo, achando-se esta última muito mal conservada.

O túmulo pertence à família Taveira de Magalhães. A letra da inscrição – alemã minúscula – corresponde ao tempo de Diogo Cão?!

O sarcófago, túmulo, é de Pêro Domingues, do qual se transcreve a inscrição:

ESTA OBRA MÃDOU FAZER D Aº E SUA MULHER BRÃCA DYZ E JAZ SEU FILHO PERO DIZ QUE D (e)US AJAO

Assim sendo, o túmulo em questão não vem resolver o debatido problema sobre a morte de Diogo Cão. A completa obscuridade da personalidade de Diogo Cão desde a sua última viagem continua assim por resolver?!

Das afirmações contidas pelo cronista, surge então a seguinte teoria:

Como o navegador regressou ao reino, e dele nunca mais houve notícia, “ Diogo Cão foi ostracizado por D. João II, pelo malogro da expedição”, uma vez que, nesta 2ª expedição, não encontrou o extremo Sul de África, como anunciara ao rei de Portugal, ao terminar a 1ª expedição marítima em Abril de 1484.

Se volta ao reino, em que lugar se encontram os seus restos mortais?!

Não existem provas contidas em Gravações ou inscrições, referências acidentais, crónicas, obras históricas de síntese, relações, alvarás e documentação e anotações, do insigne navegador se encontrar sepultado em mosteiro, convento ou igreja..em Portugal.

Ou D. João II fez desaparecer todas as menções do navegador, por causa de uma hipotética errada informação?!

Razões ponderosas do monarca se vingar dum súbdito tão zeloso e patriota, carecem de fundamentos objectivos.

Como sabemos, se a guarnição da 2ª expedição de Diogo Cão, regressou ao reino de Portugal, apesar das vicissitudes da viagem e da inexistência de provas documentais conducentes à realidade da chegada da frota a terras lusas!

À descoberta do Cabo da Boa Esperança. “João Santiago”, conduz a naveta de mantimentos da frota de Bartolomeu Dias, saindo do Tejo em Agosto de 1487.

O registo epigráfico das pedras de Yelala na margem esquerda perto da confluência do rio M’ Pozo com o rio Zaire ou Congo, onde se vê e lê “ o tipo de letra em “estilo gótico”, o nome de “João Santiago”.

O marinheiro pilotou uma das caravelas da guarnição de Diogo Cão, da 2ª expedição iniciada em Setembro de 1485..

Ora, se João de Santiago foi o piloto da naveta de mantimentos da frota de Bartolomeu Dias, conclui-se, que a guarnição da frota de Diogo Cão regressa a Portugal antes de Dias zarpar de Portugal, Agosto de 1487, na demanda da descoberta do Cabo mais meridional do continente africano.

Deste modo, a guarnição da 2ª exploração chegou a Portugal provavelmente em finais de 1486, ou princípios de 1487. [Janeiro, Fevereiro ou Março].

Esta análise tem por base o tempo planeado para as expedições marítimas do reinado de D. João II, como limite máximo 20 meses no mar oceano.

Atingindo, nesta 2ª expedição, o ponto antes reconhecido – o Promontório Prassum – [Pontal Norte do Saco na Baía de Moçâmedes – Namibe] , agora denominado de “Cabo Zorto” ou “Cabo Falso”, o navegador supôs achar-se ante um mar aberto, portanto no fim de África.

Na verdade, a protuberância, ou falso cabo, dá acesso a uma grande baía a perder-se de vista.

A orla marítima se estende 1 Km para Leste e 2,5 Km para Nordeste, depois faz uma curva repentina para Sul e Sudoeste, um prolongamento aproximado de 20 Km.

Da Baía de Moçâmedes para Sul, a navegação vai prosseguindo, ao longo da costa marítima, estendendo-se 435 milhas náuticas [805 km], até Cape Cross na Namíbia.

A legenda do globo de Henricus Martelus, constitui o documento chave e preponderante. Diogo Cão morre no termo da viagem. Como teria ocorrido, “por doença, ou por se embrenhar terra a dentro, desaparecendo…”, temos dúvidas.

As ordens régias são determinantes: “proibição total de propagar notícias e informações detalhadas referentes a esta 2ª expedição agora terminada”.

Apesar de falaciosa, “a aproximação ao “Promontório Prassum”, anunciada em 11 de Dezembro de 1485, por Vasco Fernandes de Lucena em Dezembro de 1485, junto do papa Inocêncio XVIII em Roma, da viagem anterior [1482-1484], manter-se-ia.

O anuncio por Lucena junto do Papa,, teve como objectivo imediato, adquirir vantagens pecuniárias para o reino de Portugal, aliás como aconteceu com muitas outras descobertas marítimas.

Chegados a Cape Cross, 21º 47’ lat. Sul, a costa marítima prolonga-se infinitamente para Sul!

No séc. XIX, passados 400 anos, o mistério adensa-se. Os homens da história querem saber o que terá acontecido a Diogo Cão. Para o efeito, não encontram uma explicação plausível e satisfatória para o sucedido.

A partir daqui, aumentam as especulações. Ainda hoje se especula sobre este assunto tão delicado.

Desconhecem-se documentos coevos ou registos epigráficos ou arqueológico, que desfaçam o mistério.

Tudo é muito estranho.

Diogo Cão deu tantas alegrias ao Rei de Portugal D. João II!

Os seus actos heróicos assim o demonstram: apresamento de 4 navios espanhóis no Golfo da Guiné, a descoberta de mais de 5.000 km de costa, o contacto e a amizade com o imperador das terras do Congo, a colocação de três padrões ao longo da actual costa de Angola e um na Namíbia, assinalando as terras descobertas para a posse de Portugal.

A notícia divulgada pela guarnição do regresso desta expedição atribulada, “Diogo Cão embrenhou-se por terra adentro e nunca mais apareceu”, reúne o melhor testemunho para o entendimento e explicação de tão insólito mistério!

O que levou Diogo Cão a deixar a armada, decidindo embrenhar-se por terra adentro?!

Não encontrado o extremo Sul de África, o navegador vê-se constrangido a confirmar o que anunciara ao rei de Portugal em Abril de 1484, a aproximação ao Promontório Prassum da geografia de Ptolomeu.

Crê-se não haver outra explicação, a não ser por “ Uma Questão de Honra”. O sentimento do homem da procura da consideração pública pelo cumprimento do dever, da prática de boas acções, demonstrações de respeito e sobretudo de dignidade.

Veio de tão longe, chegar onde chegou, diante dele uma costa deserta sem o fim à vista.

Navegara ao longo de uma costa marítima avassaladora, traiçoeira e deserta, alguma vez alcançada, a actual costa dos esqueletos, onde ao longo dos tempos por ali vão deambulando carcaças de barcos desfeitos pelo mar bravio nos areais sem fim.

A sagrada esperança do continente africano inflectir para Oriente ou Norte, sentimento à muito procurada, desde a Baía de Moçâmedes, não chegara ao seu termo.

Os nautas encontram-se diante duma grande colónia de focas e leões - marinhos, em toda a extensão do cabo da Serra ocupam ordeiramente as suas posições.

Junto ao cabo, desembarcam na praia onde o mar é mais sereno. Erguem o último Padrão, conhecido pelo Padrão do Cabo da Serra ou Cruz.

Torturado pela desilusão sofrida quanto ao caminho da Índia de supor ter alcançado o termo austral de África na 1ª viagem, Diogo Cão dá por finda a missão em Cape Cross, fazendo-o, com muita mágoa de não prosseguir a rota.

Razões ponderosas o forçam a desistir, como a longa duração da viagem, a escassez de alimentos, principalmente falta de água para abastecimento. Dificuldades da navegação ao longo da costa contra a corrente fria de Benguela [sentido contrário aos ponteiros do relógio] ventos contrários, falta de enseadas e portos seguros, o escorbuto já teria feito algumas vítimas entre os marinheiros.

A costa inóspita e deserta onde se encontram não oferece aos visitantes quaisquer meios de subsistência, a não ser pescado em abundância e em último recurso a colónia de focas.

Na intuição de observar lá do cimo, a orla marítima da costa mais a Sul, decide embrenhar-se por terra adentro em direcção à Serra Parda!

Do alto, o campo de visão torna-se mais amplo. Observação directa, onde pode resultar a esperança de observar “in loco” uma abrangência mais definida e ampla da costa a inflectir para Oriente ou Norte!?

Ninguém o segue, a guarda pessoal do mestre não está autorizada a fazê-lo.

Enquanto se embrenha, deixa de ser visto por aquelas elevações de terreno, ora de um lado e do outro, o encobrem dos olhares atentos dos marinheiros.

Perto da Serra ou de regresso é atacado por um grupo de leões famintos... ou na encarniçada caminhada, sob um calor ardente, se esvanecem as suas forças, ficando inanimado para sempre longe dos olhares dos marinheiros?!....

Nas aturadas buscas para o interior, os nautas observam grandes dunas do deserto, orvalho matinal aninhado na vegetação rasteira e falésias como a indicarem leitos de rios que outrora por ali passaram.

Diogo Cão acabara de desaparecer sem deixar rasto.

Os nautas seguem até à ponta dos Farilhões 22º 26’ lat. Sul, última etapa conhecida do mapa de Martellus, as caravelas retrocedem.

A adversidade da costa desértica e o mar bravio não permite aos mareantes permanecer por ali muito tempo.

Nesta costa traiçoeira, de dia referenciam cabos e angras, à noite ancoragem em alto mar de velas desfraldadas, a costa não oferece enseadas e portos seguros, para protecção das caravelas.

A aproximação à costa tem como prevenção a medição constante da fundura (braças), para os barcos não encalharem.

Os espaços a partir do deserto do Namibe (Moçâmedes) ao deserto do Calaári, são ocupados por vegetação rasteira onde abunda a Welwitchia Mirabilis, as acácias e outras espécies espinhosas.

O Mapa de Henricus Martellus, foi (é) interpretado ao longo dos tempos como sendo uma alusão que a 2ª viagem teve o seu “términus” – fim – morte, por alturas da Serra Parda – Namíbia.

Os apologistas desta teoria, lendo e relendo as Décadas da Ásia de João de Barros, sempre acreditaram e acreditam que Diogo Cão depois de atingir a latitude da Serra Parda, o Cabo do Padrão da Serra, hoje Cape Cross, volta para trás e sobe o Rio Zaire à procura do Manicongo – Rei do Congo na sua residência (M’ Banza). Depois o volve ao reino e dele, navegador, nunca mais há notícia.

Diogo Cão comprometera-se demasiado, também por culpa dos melhores da frota, ao anunciar a D. João II, em Abril de 1484, a aproximação ao promontório Prassum, onde começa o Golfo arábico.

À luz dos documentos desse tempo, considerando “O Mapa de Fra Mauro”, e a “Oração de Obediência ao Papa”, os portugueses estavam a escassos dias de navegar pelo golfo arábico.

Esta notícia terá provocado um espanto geral na corte do Papa! Nunca alguém foi tão longe pelo oceano Atlântico a Sul do paralelo 2, como os navegadores portugueses.

Nessa 2ª viagem, Diogo Cão e os nautas convencidos e animados, após a chegada ao Pontal Norte do Cabo Saco do Giraul, ficam perplexos, desiludidos, ao verem adiante, uma grande baía e a orla marítima da costa a inflectir na direcção do Sul.

Depois desse cabo, uma larga angra a perder-se vista, descrevendo uma trajectória, arco de 20 km de costa.

A terra continua sem qualquer espécie de arvoredo, estendendo-se o areal sem fim.

Tamanha desilusão provoca a apreensão geral da guarnição.

Seguindo a direcção do Sul, dão com um cabo, onde implantam mais um padrão, o padrão do Cabo Negro, 15º 45’ lat. Sul.

Entram numa angra, onde observam “Duas Aldeias”, actual Tombua – Porto Alexandre, junto às margens do Rio Curoca.

Os habitantes locais vivem da pesca, moram em sebes construídas à base de esqueletos dos cetáceos, cobertas da própria areia da praia.

Os nautas não sabem que a partir daí, a navegação, irá tornar-se hora a hora cada vez mais dura. O esforço de continuar a exploração da costa, vai corresponder a perdas importantes da guarnição.


De seguida, reconhecem sucessivamente: a “Manga das Areias” [baía dos Tigres] 16º lat. Sul, a Ponta Verde, uma série de grandes “ Dunas” – 19º lat. Sul, o golfo das “ Baleias” 20º lat. Sul, a angra de Rui Pires – 20º 46’ lat. Sul, angra de Stº Amaro 20º 27’ lat. Sul e o Cabo do Padrão da Serra ou Cruz [ Cape Cross] 21º 46’ lat. Sul.

Sem recursos, víveres e sobretudo água potável, a viagem não pode ir pouco mais além, de Cape Cross, chegando até à ponta dos Farilhões 22º 26’ lat. Sul.

Diogo Cão, cedendo às forças da natureza, porque não é de fácil contentamento, decide explorar aquela zona interior da Serra Parda, com o intuito de avistar lá do cimo, uma amplitude mais vasta do horizonte da costa para Sul?!

Envolto no mistério, segue em frente e desaparece, deixa de ser visto pela bruma, névoa do deserto ou pelas grandes dunas do cardápio disponível e acidentes geográficos.

A caminho da Índia a armada de Pedro Álvares Cabral zarpa da costa brasileira no dia 2 de Maio de 1500.

A 23 de Maio de 1500 pelas alturas do Cabo de Boa Esperança, é atingida por um tufão. Quatro naus vão ao fundo com todos os marinheiros a bordo, entre elas a de Bartolomeu Dias que morre. Dias naufraga antes de atingir pela 2ª vez o Cabo da Boa Esperança.

Vasco da Gama, o primeiro europeu a atingir a Índia por mar, em 20 de Maio de 1498, morre em Cochim, Índia a 24 de Dezembro de 1524. Transladado em 1539 para a Vidigueira aí permanece até 1889. Hoje, os seus restos mortais repousam no mosteiro dos Jerónimos, Lisboa.

Pedro Álvares Cabral é sepultado em Santarém, igreja de Nª Sr.ª da Graça.

Diogo Cão desiludido e equivocado por não encontrar a passagem para o Oceano Índico, como anunciou em Abril de 1484 a el-rei D. João II, seu senhor, deixa a armada no Cabo do Padrão da Serra, Março de 1486.

Segue em direcção ao interior árido, em direcção à serra …, o percurso é muito distante e penoso… na convicção de avistar lá do cimo uma amplitude mais vasta do horizonte costeiro, quem sabe, uma vez que já não dispõe dos meios para continuar a viagem para Sul?!

Como responsável máximo não se apresentaria ao rei, dando o dito por não dito.

Com esta atitude salvaria a honra do convento!

A guarnição regressa ao reino, o responsável máximo desaparecera. Deste modo não será responsabilizada pelo (in) sucesso da expedição.

No regresso aportam a M’ Pinda, a 10 Km na foz do rio Zaire, prometendo ao Manisoyo, irmão da mãe do rei do Congo voltar, mas não trazem a embaixada Congolesa.

Diogo Cão desaparece da história, como sempre acontece àqueles que nas grandes lutas são feridos de insucesso.

A partir daqui, do seu nome faz-se um silêncio impressionante.

Todavia, deixa aos seus continuadores preciosos ensinamentos. Logo são aproveitados por Bartolomeu Dias e por Vasco da Gama: para vencer a costa árida é necessário transportar os próprios mantimentos.

A caravela de dois mastros, é o navio empregue nestas viagens até Bartolomeu Dias dobrar o cabo da Boa esperança.

É bem notório, o impedimento da continuação da última viagem de Diogo Cão tenha sido precisamente a falta de autonomia da caravela, agora patente pelo alongamento das explorações marítimas.

A guarnição, ver-se-á constrangida a voltar para trás, face a uma costa desértica, onde não tem a certeza de poder reabastecer-se, sem provisões a garantir o retorno com segurança, sobretudo água potável.

Em reforço desta explicação ocorre o facto da armada de Bartolomeu Dias incorporar uma naveta para abastecimentos. É abatida uma vez cumprida a sua função, servindo de apoio às duas caravelas de exploração.

Depois do regresso a Lisboa, a 16 de Dezembro de 1488, os navegadores deram conta ao rei da sua impossibilidade de prosseguir a viagem por não terem navios fortes para enfrentar os “mares grossos” que encontraram; por isso Vasco da Gama levará naus na primeira viagem a fazer a ligação marítima com o oriente, navios que, entre outras vantagens apresentam uma capacidade de carga muito superior, e portanto maior autonomia nas viagens de longo curso.

Bartolomeu Dias, por sua vez, tira uma nova lição: a navegação deve ser realizada pelo mar largo – o grande golfão de Camões – “ por onde se encurta a viagem e nos fica mor proveito “.

De Cabo Verde navegar-se-á durante seiscentas léguas na direcção do Sul, até ao 19º e daí, cortando o ângulo para ESSE, durante oitocentas e cinquenta léguas, atingir-se-á o paralelo 37º S, a quarenta léguas do Cabo, que assim será facilmente dobrado.

Desta forma se aproveitam a favor da navegação os ventos dominantes do Atlântico Sul.

Mais tarde os navios à vela navegam como quem demanda os portos do Brasil, remetendo para a costa africana os 24º de lat. S. logo que topam ventos de feição.

Como consequência imediata das viagens de Diogo Cão, deve ser considerada a expedição ao Congo em Dezembro de 1490, sob o comando de Gonçalo de Sousa, o qual regressam à sua pátria os africanos levados a Portugal. São educados em letras e religião no Convento de Santo Elói, indo também, em satisfação os desejos do rei do Congo, muitos padres franciscanos, com materiais para templos e alfaias para o culto.

Nesta fase decisiva das descobertas, quando o Cabo das Tormentas já está descoberto, grande importância se deve atribuir à evangelização do Congo, onde se distraem navios, gente e cabedais.

Esse interesse acentua-se no reinado de D. Manuel I, chega a encarar a possibilidade de realizar pelo Zaire a ligação com a Abissínia, aproveitando o Lago Central africano, com tanta insistência dão notícias os exploradores portugueses do século XVI.

Do Congo se estende também para Sul a acção dos portugueses, de tal forma que, antes de 1526, estes atingem o coração do Reino de Angola e, 60 anos depois, penetram no Reino de Benguela.

As viagens de Diogo Cão costumam ser consideradas como marcando o início da história da grande colónia de Angola, a história do Congo com ela pouco a pouco é fundida, como se fundem na verdade os outros dois antigos reinos indígenas da “Matamba e Benguela”.

Não coube a Diogo Cão a glória de dobrar o Cabo da Boa Esperança, como Luciano Cordeiro por momentos suspeitou.

A sua figura avulta com notável destaque, entre todos os precursores de Vasco da Gama: por sua acção as navegações ao longo da costa africana atingem um momento de patético interesse.

Saindo da fase da nebulosa esperança, para alcançarem uma definida certeza; por sua acção se desvenda a existência de um grande império abaixo do Equador, descoberta que, atraindo gente de armas, exploradores, colonos e missionários, tem como consequência imediata a organização da Capitania de Angola, base da colónia da África Ocidental.

Os navegadores portugueses, lançando-se à exploração da costa africana e navegação através do Atlântico, dão início a uma das empresas mais empolgantes da História.

Não pode deixar de causar admiração o facto de ser um pequeno e pobre País a realizar uma das mais difíceis, morosas e dispendiosas iniciativas que um povo jamais realizou.

Se houve empresas humanas que têm repercussão na evolução histórica, os Descobrimentos marítimos portugueses não podem deixar de ser colocados num lugar destacado!

A gesta assombrosa das navegações através dos mares desconhecidos, importa dizê-lo, assenta um dos seus pilares básicos nas vantagens materiais que dela podem advir, mas baseia-se também no misticismo alimentado pelo ideal, na curiosidade científica e na atracção de enfrentar corajosamente o desconhecido, desvendando segredos e desfazendo a bruma do mistério.

Os portugueses da época souberam integrar-se no espírito prático e sonhador, realista e quimérico, preso às realidades terrenas mas pairando alto nos domínios da imaginação, de que o Infante de Sagres é o protótipo mais perfeito.

Desde muito cedo Portugal toma consciência de, a pouco e pouco, ir alargando os domínios temporais, dilatando o Império, e também os valores espirituais, difundindo a Fé.

Luís de Camões, que viveu e escreveu a sua obra principal em pleno século XVI, começa o seu poema admirável salientando estes dois pontos.

E não deixará de dar apenas a imagem do pensamento colectivo, fixando-a em síntese lapidar, pois não pode sustentar-se que tenha sido ele a criar o conceito, que depois se expandiu e generalizou!

Para terminar não posso deixar de citar, Ralph Delgado autor da Historia de Angola 1º Volume, edição Banco de Angola refere explicitamente ” se desconhece a razão por que o olvido sepultou esse homem (Diogo Cão) de incontestável valor, que descobriu e legou à nacionalidade os reinos do Congo, de Angola e de Benguela. Pode ter perecido em viagem ou pouco depois do regresso; pode ter desagradado ao rei, por se enganar nas suposições tecidas à volta do caminho marítimo para a Índia e ter sido desconsiderado; pode ter sido vítima das circunstâncias, para o soberano não dever demasiado a um homem só, disposto a fugir a situações equivalentes às do governo espanhol perante a glória de Cristóvão Cólon; e pode, finalmente, tê-lo humedecido a política de sigilo adoptada pelo monarca português, pois parece, de facto, ter D. João II ampliado a rigorosa arte de silêncio deixada por D. Henrique, acerca dos descobrimentos, para evitar os perigos de uma concorrência castelhana mais intensa. Ignorando as razões que provocaram o afastamento e o esquecimento de tão nobre e esforçada figura da epopeia marítima portuguesa, cumpre-nos registar factos no seu significado e impenetrável mistério. Não se sabe onde faleceu Diogo Cão”.

Um dia saber-se-á a verdade? A chave do Enigma reside na escritora Therese Schedel – autora do livro “O Mosteiro e a Coroa “, sobre o mistério que rodeia o roteiro de Diogo Cão?! Conta-nos uma luta sem tréguas que El-Rei D. João III tem de travar com as "senhoras donas" monjas do Mosteiro do Lorvão, para chegar a um importante mapa - que acredita, estar na biblioteca do mosteiro - escrito pelo navegador Diogo Cão e que permite chegar às jazidas de ouro e às pedras preciosas na África Ocidental.

A informação de Therese Schedel – do mistério que rodeia o roteiro de Diogo Cão, insere ainda:

«…a não existência dum roteiro de Diogo Cão tem sido um mistério apaixonante».

«...O navegador desapareceu durante a sua segunda viagem».

«...Os tripulantes que regressaram a Portugal contaram que Diogo Cão se tinha embrenhado terra adentro e nunca mais aparecera».

“Muito possivelmente, talvez tivesse sido devorado por um tigre, quem sabe “.

“Ora o que decerto não aconteceu foi o capitão levar nesse passeio fatal o roteiro debaixo do braço”.

“…O roteiro era um caderno no qual os capitães e pilotos anotavam dados referentes à navegação, era um diário de bordo. E regressado a Portugal. O que, aparentemente, não sucedeu. Ou regressou e desapareceu depois de ter regressado? Eis o mistério”


As viúvas dos homens desaparecidos no mar oceano, recolhiam com frequência aos mosteiros e conventos existentes em Portugal?! Anotavam os motivos pela opção da clausura?! Therese, recolheu tais informações em alguma biblioteca de mosteiro ou convento? Permanece a dúvida.

Falta-nos apenas aquilo que mostra ou confirma a verdade de um facto.

“Diogo Cão jamais regressou a terras de Portugal”. “Ficou por terras da Namíbia”.
 
 
 

"votação ao ostracismo por el-rei D. João II?!"

 
 



 
Votação ao ostracismo por el-rei D. João II?


Depois da segunda expedição o nome de Diogo Cão desaparece da cena dos descobrimentos, não existem referências oficiais ao navegador, circunstância que induziu os historiadores modernos a procurar uma explicação para este facto tão insólito.

A “Oratio de Obedientia”, pronunciada por Vasco Fernandes de Lucena, durante a coroação do papa Inocêncio VIII, cria a ideia dos nautas terem alcançado “O Promontório Prassum”, onde começa o golfo arábico, do Mapa de Fra Mauro.

Chegados à baía de Moçâmedes, JAN1486, a guarnição de Diogo Cão, verifica nesta segunda expedição, o equívoco, engano. Acabam de entrar numa larga baía a perder-se de vista, cujo limite da costa se estende para Sul..

Os sobreviventes da 2ª expedição de Diogo Cão, na presença de D. João II, e dos cosmógrafos disseram :

“…a seguir ao cabo Zorto [falso cabo], uma enorme angra [baía]”.

“ A partir daí, reconhecemos a costa para além desta angra, mil milhas para Sul, não verificamos qualquer sinal da navegação para Oriente ou Norte”, faz supor caso exista tal passagem, ela existir muito mais para Sul ao ponto onde chegamos, Ponta dos Farilhões lat. 22º 26’ Sul “.

Haveria ou não um cabo meridional como limite extremo do continente africano, onde os oceanos Atlântico e Índico se ligam, dando a possibilidade de navegar para Oriente e alcançar uma rota marítima da Índia das especiarias e estabelecer contactos com o reino cristão do Preste João situado na Etiópia?!
 
 
 
 
Atingindo, nesta 2ª expedição, o ponto antes reconhecido – O Falso Promontório Prassum – o actual Pontal Norte do Saco Giraul na Baía de Moçâmedes, Diogo Cão supôs achar-se ante um mar aberto, portanto no fim de África (cf. Fontoura da Costa – às portas da Índia em 1483, págs., 41-50), os nautas verificam a perder de vista, o início de uma larga baía, cujo alargamento se dirige para Sul.

É impossível imaginar a surpresa e desilusão da guarnição.

Diogo Cão ultrapassa esse ponto e empurrará para além do paralelo 22 um reconhecimento desesperado.

A costa africana a partir dali, apresenta para o visitante, apenas perfis áridos e estende-se para Sul sem parar.

A ilusão do Promontório Prassum, dois anos antes, Setembro 1483, deveu-se a dois factores:


- O ponto de convergência dos dois oceanos, Atlântico e Indico, é bem visível, no mapa-múndi executado em 1459 pelo monge veneziano Fra Mauro, a pedido de D. Afonso V, situa-se a 15º latitude Sul, muito mais a Norte do que na realidade.

- Os nautas não obtêm a necessária visão factual da larga baía do Namibe- Moçâmedes. O espectro visual apresentava um manto de nevoeiro cerrado. Observam apenas a variação da posição do Pontal - segue para Leste 1 Km , e um limite indefinido para Nordeste.

Razões ponderosas às dificuldades adversas à navegação, fazem retroceder as duas caravelas. As fortes correntes vindas do Sul, exercem influência permanente contra os rochedos pontiagudos do Pontal.

A orla marítima no actual porto mineiro do Saco do Giraul, faz uma inflexão repentina para Sul, se estende num arco ao longo de 20 Km, formando a enorme baía de Moçâmedes.

Actualmente, barcos de grande calado navegam pela baía.

O porto mar fica na outra extremidade. No limite fronteiro jaz outro Cabo virado para o mar oceano, a indicar a posição do Noroeste, dá acesso à praia D. Amélia.

A notícia, divulgada por Vasco Fernandes de Lucena, revela-se errada, após a 2ª expedição!
 
Causa a desilusão do monarca, e o consequente desaparecimento de Diogo Cão da cena dos descobrimentos?!

Compreende-se a desilusão do rei D. João II, tanta confiança depositara em Diogo Cão.

Perante o equívoco, o monarca ostracizou o célebre navegador da cena dos descobrimentos?!

O desaparecimento de Diogo Cão deve-se exclusivamente ao facto de não ter regressado da 2ª expedição marítima.

É imperioso ter em conta a legenda do "Insulário", de Henricus Martellus, também uma afirmação contida nos pareceres da Junta de Badajoz, em que menciona o falecimento de Diogo Cão na região da serra Parda.

Com efeito, é mais plausível considerar o desaparecimento do navegador da cena dos descobrimentos, como devida à sua morte por terras africanas, depois de iniciada em Setembro de 1485, do que como consequência hipotética da vingança do rei D. João II, por causa de uma errada informação.

Assim sendo, a votação ao ostracismo do célebre navegador, como preferem vários autores, não tem qualquer sentido, carece de razões e fundamentos.

O facto do navegador ter desaparecido de cena, é sustentado, apoiada e consubstanciada pela política de Segredo de Estado – confidencialidade, do reinado de D. João II.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Desaparecimento dos roteiros de bordo


O rei não fez o recebimento nos Paços de Alcáçova, em Lisboa, dos sobreviventes agora chegados, como desejava, a peste ainda matava na capital, não pode correr riscos ali no Alentejo, embora as casas sejam menos imponentes, o ar é mais saudável.

Recebeu no Paço real o capitão substituto de Diogo Cão, Pêro Anes, relatando pormenorizadamente todos os detalhes da expedição..

Embora consternado, não demonstra qualquer atitude de desagrado.

Ouve-o atentamente. O seu pensamento logo se virou para Bartolomeu Dias de Novais, peça fundamental duma próxima e breve exploração.

Uma vez que, os objectivos ainda não foram cumpridos, a tão desejada ligação dos dois oceanos (Atlântico e Índico), contornando a África pelo extremo Sul, o contacto com o reino cristão do Preste João situado na Etiópia, para uma futura base de apoio na luta contra os inimigos da Fé Cristã, dará continuidade à exploração da costa marítima ocidental africana para além de Cabo da Cruz, “Cape Cross”, até que o mesmo fosse definitivamente alcançado.

Apesar das vicissitudes, a “Oração de obediência ao Papa Alexandre VII”, proferida por Vasco Fernandes de Lucena (11 de Dezembro de 1485), em Roma, manter-se-ia . A frase chave utilizada por D. João II “....mais vale torcer do que quebrar....”

Os serviços de espionagem dos reinos da Europa gozam de uma certa autonomia.

Espalhados por terras lusas, procuram a todo o transe informações preciosas das descobertas dos portuguesas.

João II, conhecedor desta saga de espiões, não se deixava atormentar.

Rui Pina, apresenta-nos o Rei como um homem capaz de realizar grandes e novos feitos: enquanto o corpo habita o Reino para bem o governar, o espírito anda sempre por fora com vontade de o aumentar.

É também um investigador muito solícito dos segredos do mundo. Muito versado em assuntos de cosmografia, aplica-se a vencer as dificuldades experimentais desde que os portugueses se aproximaram do Equador, ficando assim impossibilitados de ver a Estrela Polar e por ela determinar a latitude.

Seguindo o exemplo de D. Henrique, o navegador, que chamara Jacome de Maiorca para o auxiliar, nomeia uma junta de peritos, fazem parte os judeus José Vizinho e Abraão Zacuto, junta que sugere o método da calcular a altura do sol ao meio dia, Prepara tábuas de declinação para facilitar o trabalho dos navegadores.

Estas tábuas estão incompletas quando o Rei expede Diogo Cão, em 1482, para continuar as explorações.


Rui de Pina refere:

«...Foi príncipe mui justo e mui amigo de justiça e nas execuções dela mais rigoroso e severo que piedoso, porque, sem alguma excepção de pessoas de baixa e alta condições, foi dela mui inteiro executor, cuja vara e leis nunca tirou de sua própria seda, para assentar nela sua vontade nem apetites, porque as leis que a seus vassalos condenavam nunca quis que a si mesmo absolvessem
 
 
 
Dizia o Rei D. João II:

“... lembrai-vos do que o nosso embaixador Vasco Fernandes de Lucena afirmou em público, no ano passado, em Roma, diante do Papa Inocêncio VIII. Se Diogo Cão errou e não encontrou a passagem, vamos ser motivo de zombaria para toda a Europa...”.

“ E saía, de rompante, deixando os astrónomos consternados, a olhar com reprovação para Mestre Vizinho que teria feito melhor em guardar para si as suas suspeitas e maus agoiros, em vez de os partilhar com Sua Alteza”.

“ D. João II, a sós na sua câmara, passeava de um lado para o outro, para dominar os impulsos, temendo o malogro e o desfrute, sabia que não podia apresentar pontos fracos na sua governação! O seu poder aumentara, com ele cresciam igualmente os inimigos e os descontentes, sobretudo entre os poderosos do Reino e os mais próximos da família”.

“Não hesitara em cortar o mal pela raiz. Mandara prender por traição e condenar à morte no cepo, o primo D. Fernando, 3º duque de Bragança, confiscando-lhe os bens imensos em favor da Coroa”.

“Justiça que manda fazer el-rei nosso Senhor – fora o pregão do rei de armas e dos seus dois pregoeiros: - manda degolar D. Fernando, 3º duque que foi de Bragança por cometer e tratar traição e perdição de seus Reinos de sua pessoa Real”.

“A morte do duque revoltara os nobres e pouco tempo depois descobrira nova conspiração, dessa vez para o assassinarem, mas ele adiantara-se de novo, apunhalando com a sua própria mão o cunhado D. Diogo, duque de Viseu (a Rainha D. Leonor ainda lhe não perdoara a morte do irmão!)”.

“Um a um caçara os restantes conspiradores e a todos mandara degolar em público, com pregão de seu crime, excepto ao Bispo de Évora, o mais odioso dos seus inimigos, a quem fez encerrar numa cisterna sem água, onde depressa morreu... envenenado. Os que lograram fugir e esconder-se em Castela, foram descobertos e apanhados por Pêro da Covilhã, o seu espião mais eficaz”.

“Assim, os seus aterrorizados opositores (se é que ainda restavam alguns depois da limpeza que fizera), perderam o ânimo e converteram-se em vassalos submissos”.

“O Reino e a Coroa ganharam finalmente a força e o poder que seu pai, o sonhador e generoso D. Afonso V, conhecido por “O Africano”, havia deixado fugir para as mãos gananciosas dos nobres, em mercês e privilégios”.

“Há tempos de coruja e tempos de falcão” costumava dizer e durante muito tempo fora a coruja nocturna, dissimulada, observando e atacando em segredo, até se sentir seguro no seu trono. Agora era tempo para os voos do falcão, cada vez mais velozes e amplos, à conquista de céus longínquos e de outros terrenos de caça. No entanto, para guardar esse poder, não podia cometer erros”. [Diana Barroquenho – cometa ]

Uma nova expedição de exploração da costa marítima será enviada.

Para além de novos recrutas, fazem parte desta armada antigos marinheiros dos melhores das expedições de Diogo Cão, tais como João de Santiago piloto da naveta de mantimentos e muitos outros.

A “oração de obediência” proferida pelo embaixador Vasco de Lucena, junto da Stª Sé, manter-se-ia, deste modo o alarme dum pressuposto sucesso já anunciado e não alcançado, seria altamente prejudicial à política seguida por D. João II

Esta viagem marítima de exploração é classificada pelo rei de muito secreta, aliás como aconteceu em anteriores e futuras expedições.

Toda a documentação: mapas, roteiros, registos, são sigilosamente guardados ou desencaminhados, (não existem documentos, quer na Torre de Tombo, quer em qualquer outra parte), para não comprometer o bom-nome e a glória dos portugueses.

A frota de Bartolomeu Dias larga do Tejo, Porto de Povos, em finais de Agosto 1487, Cinco meses depois, avistam a Serra dos Reis, assim baptizada no dia 6 de Janeiro de 1487, era provavelmente a montanha de Matsikama, na África do Sul.

Dias, afastou-se da costa depois de passar a “Serra dos Reis”.

Segundo Barros, os barcos navegaram durante treze dias, com ventos em popa e com apenas metade das velas içadas, através de mares frios e tempestuosos.

Mas, em pleno Verão, uma nortada deste tipo é impossível naqueles mares.

Parece claro que Dias, cansado de bolinar em face dos ventos do Sul, afastou-se deliberadamente da costa e, chegando aos “ roaring forties” (ventos rugidores, na latitude 40º S), apanhou uma tempestade de Oeste.

Os pilotos navegaram então para Leste e não encontraram terra.
Sem saber, tinham dobrado a África.

Mudaram a trajectória para Norte e deram com terra na foz dum rio, em cujas margens se encontravam manadas de gado guardadas por “Vaqueiros”.

Não encontrando sítio para desembarcar, os navegadores continuaram para Leste e, depois de passar uma escarpa, entraram numa baía que, sendo 3 de Fevereiro de 1488, Dias baptizou São Brás.

Mais tarde os Holandeses deram-lhe o nome de Mossel Bay (Baía dos Mexilhões).

A guarnição de Dias encontrava-se em pleno Oceano Índico.

A realização da maior proeza naval desse tempo, 2 caravelas, com homens no limite das suas forças enfrentaram o mar tenebroso, descortinando o mistério do gigante Adamastor.

Na volta da expedição, a 6 de Junho de 1488, encontram o tão desejado cabo, o “ Cabo da Boa Esperança”,

A meados de Dezembro de 1488, arribam a Portugal.

D. João II prudente e satisfeito com a notícia, concorda com o nome dado ao Cabo tormentoso, “Cabo de Boa Esperança”, por Bartolomeu Dias.

Os portugueses contornaram o extremo Sul de África ligando os dois oceanos, Atlântico versus Índico, abrindo definitivamente as portas do caminho marítimo para a Índia.

O Mapa de Fra Mauro, caiu no esquecimento. Passou a designar o esboço de um continente africano perdido na imensidão do imaginário. Apenas contribuiu para o encontro de culturas diferentes.
 
 
 
 
 

QUARTA-FEIRA, 24 DE FEVEREIRO DE 2010

"a grande viagem de Bartolomeu Dias e João Infante "

 

A grande viagem de Bartolomeu Dias e de João Infante


Por: Eric Exelson

Logo que os sobreviventes da expedição de Diogo Cão chegaram a Portugal, o rei mandou Bartolomeu Dias continuar o empreendimento.

Dias, deixou o Tejo em Agosto de 1487, com duas caravelas e uma naveta de mantimentos.
A pequena frota fez escala em São Jorge da Mina e depois seguiu a costa reconhecida e traçada por Diogo Cão.

Lançando ferro numa baía abrigada, provavelmente a Baía dos Tigres, Dias, transferiu mantimentos para as caravelas e seguiu para o Sul, deixando alguns homens na naveta.

Para além do último padrão erguido por Diogo Cão e para lá daSerra Parda, as caravelas navegaram com terra à vista.

O próximo nome que aparece no mapa anónimo português de 1502, dito de Cantino, é a "Terra de Santa Bárbara", que se presume ter sido baptizado no dia 4 de Dezembro de 1487.
A seguir vêm os nomes de Praia das Pedras, o Monte da Praia e oPonto de Ug, que talvez queira significar Ag, dado que se celebrava o dia de Santo Agatão a 7 de Dezembro.

A Praia das Verdes foi provavelmente situada na foz do Rio Swakops.

É impossível localizar a Praia das Aves, a Praia das Malhas e aEnseada Branca, mas o Golfo de Santa Maria da Conceição, baptizada a 8 de Dezembro, é provavelmente o Walvis Bay de hoje.

Dias, deu nomes à Ponta do Salrão, à Terra da Roca e, no dia 21 de Dezembro, ao Golfo de São Tomé, que hoje pode ser Spencer Bay.

Devido ao vento e à corrente do Sul, que são normais, naquela época do ano, a viagem tornou-se muito lenta.

Dias baptizou a Coleta dos Três Irmãos e o Golfo de Santa Vitória, provavelmente o Hotentot Bay de hoje, enquanto uma ilha, perto da costa indicada no mapa, é a ilha de Ichabo.
O historiador quinhentista João de Barros, afirmou que na Angra dos Ilhéus, Dias deixou em terra uma negra.

Adiantou que eram quatro as negras da Guiné que tinham seguido com a expedição, para serem deixadas em terra, bem vestidas e com instruções para cantar os louvores de El - Rei D. João II, dar a entender que esse rei estava à procura do caminho para a Índia e esperava entrar em contacto com o Prestes João.

Cada uma levava amostras de ouro, prata e de especiarias e tinha de perguntar aos indígenas se havia tais produtos nas redondezas.

Dias, deixou a segunda negra na Angra das Voltas.
Segundo Barros, esta Angra recebeu este nome por causa do número de vezes que os barcos foram obrigados a bolinar.

É provável que soprasse um forte vento do Sul e que tivesse dificuldade em bolinar para entrar na baía, mas uma vez lá dentro, ficou cinco dias à espera que o vento abrandasse. 
Dias e os seus homens não viram a foz do Rio Orange – supõe-se que as chuvas estivais ainda não tivessem começado. – mas, um proeminente alcantil a oito quilómetros a Sul daquele rio, ainda hoje ostenta o nome de Voltas, provavelmente uma reminiscência daVolta das Angras que aparece no mapa de Martellus.

O Morro da Pedra das cartas primitivas é provavelmente a colina deRoodewall, a Sul da Baía de Hondeklip, e a Lombada da Pena pode ser a Kamiesberg.
 

O Rio Infante, que se supõe ter sido baptizado assim por, ou em honra de João Infante, capitão da segunda caravela “Pantaleão”, era a foz do Rio Olifant. A Serra dos Reis, assim baptizada no dia 6 de Janeiro de 1488, era provavelmente a montanha de Matsikama.




Dias, afastou-se da costa depois de passar a Serra dos Reis. 

Segundo Barros, os barcos navegaram durante treze dias, com ventos em popa e com apenas metade das velas içadas, através de mares frios e tempestuosos.

Mas, em pleno Verão, uma nortada deste tipo é impossível naqueles mares.

 
Parece claro que Dias, cansado de bolinar em face dos ventos do Sul, afastou-se deliberadamente da costa e, chegando aos “ roaring forties” (ventos rugidores, na latitude 40º S), apanhou uma tempestade de Oeste.

Os pilotos navegaram então para Leste e não encontraram terra.




Sem saber, tinham dobrado a África.

Mudaram a trajectória para Norte e deram com terra na foz dum rio, em cujas margens se encontravam manadas de gado guardadas por “Vaqueiros”.

 
Não encontrando sítio para desembarcar, os navegadores continuaram para Leste e, depois de passar uma escarpa, entraram numa baía que, sendo 3 de Fevereiro de 1488, Dias baptizou São Brás. 

Mais tarde os Holandeses deram-lhe o nome de Mossel Bay (Baía dos Mexilhões).

Os Portugueses desembarcaram e abasteceram-se de água fresca.

Viram vários indígenas, que no século dezassete se conheceram pelo nome de hotentotes.
Não há qualquer descrição deste povo feito por Dias, mas um membro da expedição de Vasco da Gama, que lançou ferro na baía dez anos mais tarde, descreveu os homens como morenos,

vestidos com mantos de peles, com braceletes de marfim e levando na mão um enxota-moscas.

 
Tocavam instrumentos musicais de sopro e possuíam rebanhos de ovelhas com grandes rabos, bem como manadas de gado.

 
Os bois, os maiores dos quais levavam selas feitas de junco, eram grandes, gordos e muito mansos, o que faz lembrar aos Portugueses os bois do Alentejo. 

Mas, Dias não conseguiu aproximar-se deste povo, que recusou os presentes que lhes ofereceu. 

Um dia, os indígenas apedrejaram alguns marinheiros que tinham ido buscar água; Dias, pegou numa besta e matou um dos atacantes.

A costa, uma alta e recortada serra que os hotentotes chamavamTsitsikama, fez lembrar aos Portugueses a serra mais alta de Portugal e deram-lhe o nome de Serra da Estrela.

 



À outra ponta deram o nome de Pescaria, devido à grande quantidade de peixe que apanharam; era provavelmente Gericke Point de hoje.

Os vigias viram Laço Çarrado, que seria um dos Wilderness Lakes ouKnysna.

O penhasco, Cabo Talhado dos velhos mapas, ficou com o nome deCape Seal.

 
À baía além deste Cabo, Plettenberg Bay de hoje, Dias deu o nome deBaía das Alagoas. 

Os incêndios que lavravam na altura levaram Dias a chamar ao actual Cape Stº. Francis a Ponta das Queimadas. 

À baía a Leste chamaram o Golfo dos Vaqueiros ou Pastores.


Dias, deu o nome de Cabo de Roca ao actual Cape Recife.

A baía a seguir recebeu o nome de Baía da Lagoa, que alguns séculos mais tarde ficou conhecida como Algoa Bay.

As caravelas lançaram ferro a sotavento de três ilhéus, onde ergueram uma cruz de madeira e celebraram missa.

Chamaram-lhe Ilhéu da Cruz.

Outros marinheiros desembarcaram em terra, onde deixaram a última negra (uma já tinha morrido), perto de duas mulheres que recolhiam mariscos.

Foi aqui, segundo Barros, que as tripulações exigiram que a expedição voltasse a Portugal, pois escasseavam os mantimentos, os homens sofriam de falta de vitaminas e estavam cansados, fartos de bolinar contra ventos desfavoráveis.

Dias convocou uma reunião em que os capitães, contramestres, pilotos e imediatos argumentaram que a expedição devia regressar.

Dias, convenceu-os a continuar durante mais dois ou três dias.

Continuando a viagem, as caravelas navegaram entre a costa e o que os marinheiros chamaram os Ilhéus Chãos, agora conhecidos como Bird Islands, e alcançaram a foz dum rio, provavelmente oHeiskama, onde João Infante foi o primeiro a desembarcar.
Provavelmente devido à falta de pontos altos, decidiram não erguer um marco naquele sítio.

Ergueram então um no primeiro sítio apropriado, perto do que os Portugueses chamaram Penedo das Fontes, hoje Kwaaihoek, que se situa a sete quilómetros de Bashman’ s River.

Como o padrão foi dedicado a São Gregório, supõe-se que foi erguido a 12 de Março de 1488.

Iniciou-se então a viagem de regresso.

As caravelas voltaram à Baía de São Brás, onde os Portugueses esperavam abastecer-se de água potável, lenha e carne. Teriam navegado perto da costa a partir do Rio dos Vaqueiros.
Deram o nome do incansável João Infante ao cabo que hoje é conhecido como Cape Infanta, o que significa que as caravelas ancoraram perto da foz do actual “River Bree”, que Dias, baptizou de “Nazaré”.

Esta baía tem o nome de Golfo de Coberti no mapa “Cantino”, coberto significando abrigado.
Pode ser que a tivessem chamado assim devido ao facto de ter dado abrigo contra os ventos de Noroeste, que podiam ter começado a soprar mais cedo naquele ano. 
Lançaram ferro numa baía que é indicada no mapa Cantino como oGolfo das Agulhas, a actual “Struis Bay”, que fica a cinco quilómetros do Cabo Agulhas. Aqui, os pilotos descobriram que não existia qualquer variação magnética.
Ao Cabo Agulhas, Dias deu o nome de Cabo de São Brandão . 
O dia deste santo celebra-se a 16 de Maio e parece estranho que a viagem do regresso fosse tão morosa.

É possível que as caravelas ficassem retidas bastante tempo, ou noGolfo Coberto, ou no Golfo das Agulhas, a fim de serem reparadas dos estragos provocados pelas tempestades.



Aparentemente, Dias não se apercebeu que o Cabo de São Brandãoera o ponto mais meridional da África, pois o mapa de Martellus e outros mapas primitivos, indicam o Cabo da Boa Esperança como tal ponto.

A actual False Bay recebeu o bem elucidativo nome do Golfo dentro das Serras, enquanto Dias chamou Cabo da Boa Esperança ao promontório que ficava a Oeste desta baía.

Como o Cabo da Boa Esperança era muito proeminente e Dias estava convencido de que era o ponto mais meridional do continente africano, obviamente teria tentado erguer lá um padrão.
Se Dias assim fez é provável que fosse dedicado a São Filipe, mas nunca foi encontrado no Cabo qualquer vestígio dum padrão.
O dia de São Filipe é a 6 de Junho, donde se conclui que, ou navegaram contra ventos desfavoráveis, ou foram forçados a abrigar-se das tempestades, ou houve um infortúnio qualquer.

Nos mapas primitivos, o primeiro ponto a Norte do Cabo da Boa Esperança é o escarpado Porto Fragoso, mais tarde chamado Hout Bay.

Com ventos em popa, Dias passou Table Bay sem a ver e, durante a noite, passou também a entrada da baía que os Holandeses viriam a chamar Saldanha e a ponta ocidental da Baía de Santa Helena.

Depois teve de navegar contra ventos de Noroeste e parece que foi só no dia 24 de Julho de 1488, dado que a chamou “Golfo de São Gregório”, que chegou à baía que hoje tem o nome de Luderitz.

No dia seguinte, num ponto a Oeste da baía, ergueu um padrão e dedicou-o a São Tiago Zebedeu.

Continuando a viagem de regresso, escalou a Baía dos Tigres, onde deixara a naveta de mantimentos, havia nove meses.

Dos nove homens que tinham deixado na naveta, só três ainda estavam vivos e um deles morreu ao ver os seus companheiros de novo.

O resto dos mantimentos foram transferidos para as caravelas e a naveta foi queimada.

Dias fez escala na foz do rio Zaire ou Congo, onde embarcou embaixadores do Rei do Congo para Portugal, tendo seguido depois para a ilha do Príncipe, onde recolheu Pacheco Pereira, cujas explorações à volta do golfo do Biafra tinham terminado devido a doença e naufrágio.

As caravelas chegaram bem a Portugal a 16 de Dezembro de 1488.

Dias, não encontrou o Prestes João, nem chegou ao Oriente, mas abriu o caminho.

A costa desde as Ilhas Chãos até ao Rio Infante estende-se indubitavelmente para Nordeste e a água do mar, que era muito mais quente do que aquela perto dos cabos mais a Oeste, só podia vir das latitudes tropicais.

Sem dúvida, tinha dobrado a África e aberto o caminho marítimo para a Índia.